domingo, 22 de abril de 2012

Aborto De Anencéfalos e o STF




Essa é apenas minha visão sobre o tema.

O espiritismo é contra o aborto, ponto. O espiritismo defende a vida, outro ponto certo. Mas o julgamento pelo STF dividiu opiniões até mesmo de espiritas. Alguns se mostraram contra o aborto dos fetos com anencefalia, mesmo sabendo que os bebês que chegassem a nascer, morreriam em poucas horas enquanto outros espíritas, mesmo sendo contrários aos abortos, de forma geral, se mostravam não diria favoráveis, mas não contrários à interrupção da gravidez em casos de anencefalia, por diversos motivos, entre eles os mesmos dos que são contrários. Como assim? Veremos.

O espiritismo sem dúvida condena, pois o aborto, seja de qual tipo for, choca-se com as leis naturais e espirituais descritas pelos espíritos da Codificação. Assim como a grande maioria das religiões e doutrinas também condenam.

Inicialmente, é importante dizer que, no julgamento pelo STF, a maior função do Tribunal, foi se valer da ponderação para tomar uma decisão, a meu ver acertada, pois levou em conta o livre-arbitrio da gestante, de fazer ou não este tipo de aborto, desde que obedecidos certos critérios médicos e legais, descriminalizando assim o aborto em casos de anencefalia.

A discussão sobre o aborto em caso de anencefalia se deve a uma certa polêmica no meio científico com relação ao início e ao fim da vida. Hoje se tem um certo consenso, apesar da muita discussão ainda.

Quanto ao início da vida, positivou-se em alguns tratados internacionais ser a "concepção" o marco inicial.  Isso diminuiu um pouco a discussão dentro do Direito e já é quase pacífico, mas sem dúvida aplicável na prática. Então a vida se inicia com a "concepção".

Quanto ao fim da vida, a discussão se estende mais, apesar de se ter encontrado um "lugar-comum". A medicina ordinária e a medicina forense consideram hoje a morte cerebral como o melhor critério para definir o marco final da vida. Mas é preciso que as partes essenciais do cérebro faleçam. Assim, um feto anencefálico é concebido, mas não tem as partes essenciais do cérebro, de modo que ele já "nasce um candidato com 100% de morrer", digamos assim. A vida se inicia com a concepção e termina com a falência do cérebro, mas para isso é preciso ter cérebro. Não tendo cérebro, o feto já nasce de certo modo, morto.

Diante disso, o STF interpretou as leis penais à luz da Constituição e os princípios relacionados à dignidade humana, para afastar a incidência da norma penal aos casos de interrupção de gravidez de feto anencefálico. Julgou, assim, parcialmente improcedente o pedido de declaração de descumprimento de preceito fundamental pela norma penal, para afastar uma das intepretações oriundas da lei (aquela que condena a mãe).

Conclusivamente, houve uma ponderação dos interesses e dos problemas envolvidos, para conceder, na prática, liberdade para a mãe e a familia escolherem se interrompem ou não a gestação de um feto que nascerá morto ou morrerá algum pequeno tempo depois.

Se a mãe for espírita, ela terá convicções a respeito do assunto e não "abortará". Se "abortar", terá certeza das consequências.

O que importa é que ficou assegurada a liberdade de escolha, baseado em argumentos técnicos e humanos, na melhor forma de preocupação com o próximo e seus sentimentos.
                                                                                                                                                  
Mas dirão alguns. O espiritismo é claramente contra o aborto em qualquer caso, pois só a Deus pertence o poder de tirar a vida de alguém. Se eu bem me lembro, a questão 359 de O Livro dos Espíritos diz que é preferível se sacrificar (entenda-se abortar) o ser que ainda não existe (o feto) do que o já existe (a mãe), no caso de o nascimento da criança por em risco a vida da mãe, descaracterizando dessa forma o crime contra as leis, quer do homem, quer de Deus. Então, “o espiritismo ser contra o aborto em qualquer caso, não procede”.

Temos então para analisar os seguintes pontos:
  1. Durante o estagio intra-uterino o bebê, mesmo anencefalo, já vive?
  2. Após nascer, o anencefalo vive? Por quanto tempo? Ou apenas vegeta?
  3. O espírito passa por alguma prova, vivendo poucos minutos ou horas, como anencefalo?

Mas, antes de começarmos a análise desses pontos, vejamos outros. Independentemente do que essas analises apontarem, concordando ou não com elas, o que a união FEB - Igreja Católica - igrejas evangélicas em torno de orações nos dizem? Bom, tratemos só da FEB e deixemos o catolicismo e s evangélicos de lado, pois é o espiritismo que nos diz respeito. Conforme já falamos anteriormente os espíritas que são contrários ao aborto em casos de anencefalia, pois o principal argumento deles é que somente a Deus pertence o poder de tirar a vida de alguém.  Este é o discurso do Movimento Espírita Brasileiro o MEB, discurso místico e moralista, mas apenas... discurso. Não houve e não há uma ação de fato, nem uma mobilização de espíritas calcados em fatos concretos e científicos, pois esse discurso dos espiritas do MEB, perdeu o embate no Supremo, pois não moveu um único dedo favoravelmente a esse discurso todo, não agiram, nem produziram, apenas prosseguiram fazendo os discursos moralistas bonitos de sempre, divulgando mensagens  geralmente de Chico Xavier e oraram, oraram, oraram. E tudo isso (que é nada) nada resolveu e nada resolveu, por que estamos na era dos fatos, fatos concretos, fatos científicos. Não mais na era obscurantista do crer por crer,  não mais na era da ignorância, embora haja ainda muitos ignorantes. Mas, voltemos as análises:

  1. Durante o estagio intra-uterino o bebê, mesmo anencefalo, já vive?

Ora, se a cessação da atividade cerebral (morte cerebral) é caso de morte (não vida), feto anencefálico não tem vida intra-uterina logo, não morre juridicamente (não se mata aquilo que jamais viveu para o direito).

Isso decorre de uma análise técnica e uma interpretação sistemática do nosso Ordenamento, visto que se para o Direito a morte ocorre com a cessação da atividade encefálica e o feto anencéfalo carece desta, conclui-se que é impossível fulminar a existência daquilo que para nosso Ordenamento Jurídico jamais esteve vivo.

        A princípio nossa posição pode chocar alguns (apesar de que para nós, não há qualquer choque), porém,  o que choca na verdade, é a tentativa incansável de muitos em prolongar a discussão, trazendo para a questão dilemas éticos, religiosos ou morais, que em nada ajudam, aliás, atrapalham, pois, a gestante não encontra resposta definitiva para a sua tormentosa e cruel situação.

        É iníquo que o Direito Penal venha exigir que a gestante que tenha a devida comprovação médica da inviabilidade de vida extra-uterina por ser o feto anencéfalo continue a gestação, sob pena de cometimento do crime de aborto, pois após o “nascimento” deste ser, a gestante, infelizmente, só terá a opção de chorar e enterrá-lo. Não temos dúvida que tal exigência é inequívoca  violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

  1. Após nascer, o anencefalo vive? Por quanto tempo? Ou apenas vegeta?

Uma pessoa que acusou morte cerebral e está ligada a aparelhos que mantém o seu coração batendo e o ajuda a respirar está viva? Realmente viva? A pessoa morre clinicamente falando se o aparelho que lhe sustenta a vida for desligado. Com o feto anencefalico ocorre o mesmo, em poucos minutos ou horas, após o nascimento (que equivaleria a ser desligado da maquina materna que o mantinha “vivo”).

Segundo o médico docente em genética na Universidade de São Paulo (USP) e especialista em medicina fetal, Thomaz Rafael Gollop, a sobrevida sem a estrutura cerebral é, na maioria dos casos, de poucas horas. "A anencefalia é um defeito congênito, que atinge o embrião por volta da quarta semana de desenvolvimento, ou seja, numa fase muito precoce. Em função dessa anomalia, ocorre um erro no fechamento do tubo neural, sem o desenvolvimento do cérebro", diz. Para Gollop, a chance de sobrevida por um período prolongado é "absolutamente inviável".

Um recém-nascido com anencefalia geralmente é cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor. Embora alguns indivíduos com anencefalia possam nascer com um  tronco encefálico, a falta de um cérebro funcionante descarta a possibilidade de vir a ter consciência e ações reflexas, como as respostas aos sons ou toques.

Cinquenta por cento das mortes em casos de anencefalia são provocadas ainda na vida intra-uterina. Dos que nascem com vida, 99% morrem logo após o parto e o restante pode sobreviver por minutos, ou poucas horas. "Os que sobrevivem, conseguem fazer o movimento involuntário de engolir, respirar e manter os batimentos cardíacos, já que essas funções são controladas pelo tronco cerebral, a região que não é atingida pela anomalia. Alguns não precisam do auxílio de aparelhos e chegam até a serem levados para casa, mas vivem em estado vegetativo, sem a parte da consciência, que é de responsabilidade do cérebro", afirma o professor de bioética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), José Roberto Goldim.

  1. O espírito passa por alguma prova, vivendo poucos minutos ou horas, como anencefalo?

Entramos, enfim, na parte referente à doutrina espírita. Analisemo-la.
Inicialmente vejamos o que diz a questão 357 de O Livro dos Espíritos que pergunta sobre que conseqüências tem para o Espírito o aborto. Os espíritos da Codificação respondem que é uma existência nulificada e a qual o espírito terá que recomeçar.

O que se entende desse artigo? Simplesmente que a encarnação foi tornada nula, sem efeito.

Segue a questão 358 que pergunta se constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação.  E os espíritos respondem que há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.

Esta parte necessita ser interpretada, pois fala em nascimento e em provas a que serviria o corpo que estava se formando para a alma. Bem, como já vimos só se nasce para a vida e filosoficamente falando, qual prova um ser sem consciência de atos que ele sequer chega a praticar, pois que “vive” ao que parece, uma vida vegetativa por minutos ou horas, poderia passar? A prova de morrer após nascer? Parece-me uma prova, muito mais para os pais, quer abortem ou não, o anencefalico, que fatalmente morrerá.

Voltemos para a questão 354, que fala da vida intra-uterina, e reforça o que falamos antes, que trata sobre como se explica a vida intra-uterina. Os espíritos respondem que é a da planta que vegeta. A criança vive a vida animal. O homem possui em si a vida animal e a vida vegetal, que completa, ao nascer, com a vida espiritual.

Planta que vegeta, na vida intra-uterina. E falamos não de qualquer feto, embora essa definição que os espíritos deram se adeque a todo e qualquer feto. Falamos nesse artigo, só para relembrar, do aborto de anencefalos.    Recuemos mais um pouco em nossas analises do Livro dos Espíritos.

A questão 344 pergunta sobre em que momento a alma se une ao corpo. E a resposta é que a união começa na concepção, mas não se completa senão no momento do nascimento. Desde o momento da concepção, o Espírito designado para tomar determinado corpo a ele se liga por um laço fluídico, que se vai encurtando cada vez mais, até o instante em que a criança vem à luz; o grito que então se escapa de seus lábios anuncia que a criança entrou para o número dos vivos e dos servos de Deus.

A união só é completa ao nascer. Não antes. Claro que isso, saber disso não justifica todo e qualquer aborto, mas sendo bem pragmático, qual a utilidade, para o próprio anencefalo, falando de provas, em deixa-lo durante quase 9 meses em vida vegetativa intra-uterina da qual ainda não está consciente e tristemente, não ficará nem pelo breve nascimento?

E a questão 346 trata disso pois questiona que acontece ao Espírito, se o corpo que ele escolheu morrer antes de nascer? Isso me remete claramente ao tema que estamos tratando. E a Codificação responde simplesmente que o ex-reencarnante escolhe outro, pois não falamos de um feto viável, que completaria 1, 5, 15, 30 anos e teria o fio de uma existência cortada, com provas e conquistas pela frente, mas de um feto que no maximo atingiria poucas horas, no maximo  e sem consciência.

E na subquestao (a) da questão 346 se pergunta qual pode ser a utilidade dessas mortes prematuras? E a resposta é que as imperfeições da matéria, na maioria das vezes, são a causa dessas mortes. Imperfeição da matéria. Defeitos congênitos que ocorrem por “n” fatores.

E chegamos a questão que coroa todo o nosso pensamento até o momento. A questão 347: Que utilidade pode ter para um Espírito a sua encarnação num corpo que morre poucos dias depois de nascer?  E a resposta também concorda com o nosso raciocínio ou melhor o nosso raciocínio parece acorde com todas essas respostas, pois a resposta a essa questão diz que o ser (o feto anencefalo que é o que estamos tratando) ainda não tem consciência bastante desenvolvida da sua existência; a importância da morte é quase nula; freqüentemente, como já dissemos, trata-se de uma prova para os pais.

Importância da morte quase nula e entendo que só não é nula por completo devido à prova que significa para os pais.

E segue o Livro dos Espíritos:

A questão 355 argumenta Há, como o indica a Ciência, crianças que desde o ventre da mãe não têm possibilidades de viver? E com que fim acontece isso?
Isso acontece freqüentemente, e Deus o permite como prova, seja para os pais, seja para o Espírito destinado a encarnar. Novamente a prova aos pais e não falamos de aborto nessa questão, logo a prova para a ex-futura criança, se existir, consiste na perda da encarnação ou mesmo em ver os ex-futuros pais sofrendo, mas não necessariamente num aborto que nem chegou a ocorrer.

 A questão 356 prossegue  Há crianças natimortas que não foram destinadas à encarnação de um Espírito?
 Sim, há as que jamais tiveram um Espírito destinado aos seus corpos: nada devia cumprir-se nela. É somente pelos pais que essa criança nasce. Só o corpo do feto foi gerado e tal se deve aos pais, mas espírito que animasse o corpo não foi destinado a ele.

E a subquestao (a) dessa mesma questao indaga se Um ser dessa natureza pode chegar ao tempo normal de nascimento?
Sim, algumas vezes, mas então não vive. Alguns dizem que os anencefalos não podem ser considerados natimortos e talvez não sejam mesmo, mas como já falado acima metade dos abortos espontâneos são provocados dentro da vida intra-uterina, em outras palavras, os contrários ao aborto, que eu chamaria de interrupção da gravidez , de anencefalos, não parecem ter em mente o risco que a gestante corre, conforme a questão 359 que fala que é preferível se sacrificar (entenda-se abortar) o ser que ainda não existe (o feto) do que o já existe (a mãe), no caso de o nascimento da criança por em risco a vida da mãe e não sou de meias palavras: eles querem dar uma de bons moços e repetir O espiritismo é contra o aborto, então como sou espírita eu sou contra o aborto, mas se esquecem de muito mais coisas que a Doutrina diz, como preservar a vida da gestante e preferem fazer da breve mãe de um anencéfalo um caixão ambulante por 9 meses. Nesse ponto a caridade falha.

Se esquecem tambem de atuar contra a pena de morte, que é algo contra quem está vivo há anos, e pode perder a vida por câmara de gás, por injeção letal, por cadeira elétrica ou fuzilamento e até forca, dependendo do país.  Mas, atuar contra a pena de morte pra que, se as condenações que há não são no Brasil? Lembro de um caso de um brasileiro que foi condenado pela China à morte por ter levado drogas escondidas se não me engano na armação de uma asa delta. A FEB agiu? Interveio? Tentou agir? Sequer sonhou em intervir? No máximo orou ou fez palestras pra meia dúzia de brasileiros em algum centro espírita que repetem  O espiritismo é contra o aborto, então como sou espírita eu sou contra o aborto ou O espiritismo é contra a pena de morte, então como sou espírita eu sou contra a pena de morte. Só repetem, sem no entanto, nunca agir ou refletir.

Eu entendo que a decisão do Supremo não é uma legalização do aborto que signifique algum dia uma porta para tornar todo e qualquer aborto comum, algo corriqueiro, mas sim uma descriminalização do aborto no caso de anencefalos, pois a mulher antes, era apenada pelo Código Penal caso exumasse o feto anencefalo de seu útero antes de findos os 9 meses. E era, é e continuará sendo alvo de preconceitos caso faça interrupção da gravidez de anencefalos por aqueles que não sofrerão, que não chorarão, que não ligarão para o sofrimento dela ter perdido um bebê e sinceramente, nem pelo próprio bebê. Ela para esses humanos de coração bom, perfeito e justos será apenas a mulher que abortou um filho. Parodiando a Kate Lyra, espírita é tão bonzinho!

Bom, continuando, entendo que o Supremo não legalizou, mas descriminalizou o aborto nesse caso especifico, não obrigando ao aborto, mas deixando à gestante o livre-arbitrio de decidir ou não pelo aborto do seu anencéfalo, obedecendo é claro certas regras medicas e não mais necessitando, que é o que ocorria, recorrer a clinicas clandestinas de aborto para retirar o anencefalo, o que quase sempre quando não a matava, a deixava mutilada, necessitando recorrer a um hospital mesmo. Quero deixar claro que sou terminantemente contrario ao aborto cometido em clinicas clandestinas, mesmo no caso de anencéfalos e contra abortos nos demais casos.

Quero dizer também que a decisão do STF foi justa pois permite que cada um aja de acordo com sua consciência e sua religião, o que as religiões e o movimento espírita não foram justas com o STF, pois tentaram impingir a uma questão que compete puramente ao Estado, que é laico, suas convicções religiosas e doutrinarias. No caso do espiritismo, em particular, se a mãe for espírita, ela terá convicções a respeito do assunto e não "abortará". Se "abortar", terá certeza das consequências divinas.

Para terminar, quero falar dos senões. O diagnostico não definitivo, tal como ocorreu no caso famoso no Brasil (ocorrido no Município de Patrocínio Paulista), uma criança diagnosticada como anencéfala viveu por um ano, oito meses e doze dias após o nascimento. A menina, batizada de Marcela de Jesus Galante Ferreira, nasceu no dia 20 de novembro de 2006 e morreu no dia 31 de julho de 2008. Marcela não tinha o córtex cerebral, apenas o tronco cerebral, responsável pela respiração e pelos batimentos cardíacos. A menina faleceu em consequência de uma pneumonia aspirativa.


 O caso gerou divergências: alguns especialistas, baseados na deficiência de uma definição exata do termo "anencefalia", levantaram a hipótese de que a menina na verdade sofria de uma malformação do crânio (encefalocele), associada a um desenvolvimento reduzido do cérebro (microcefalia). Outros afirmam que o que houve, na verdade, foi uma forma "não clássica" de anencefalia, como avaliou a pediatra da menina, Márcia Beani Barcellos, profissional que mais acompanhou o caso. Segundo Márcia, a sobrevivência surpreendente de Marcela foi "um exemplo de que um diagnóstico não é nada definitivo".

Infelizmente, a matéria não traz informações se a menina tinha reações normais como uma criança da mesma idade teria. Acredito que não. E pela foto, a menina estava de gorro, não dá para ver se não tem calota, não tem couro cabeludo, não tem crânio, não tem encéfalo, tem apenas tronco cerebral. Creio que o gorro esconde exatamente não o que se vê, mas o que não se vê.

Um outro caso, esse esteve no STF por ocasião do julgamento, é o de Vitória Croxato, que tem cerca de 2 anos e foi levada pelos pais ao Tribunal. A mãe de Vitória afirmou que nunca pensou em abortar durante a gravidez mesmo após a confirmação da anencefalia por meio de exames.



"Ela é uma criança com deficiência neurológica e precisa de estimulação, porém ela não um vegetal, não é uma coisa. Ela é um ser humano com sentimentos", disse.
                  
Segundo a mãe, a menina responde à dor, tenta engatinhar e chora quando está incomodada. A mãe disse, ainda, que a criança demonstra prazer quando se alimenta e quando recebe carinho. "Ela sorri, ela tem carinho. É amor incondicional."

O pai também disse que a menina sorri quando recebe carinho. "É uma criança muito doce, muito sensível, digna de todo amor que ela recebe."

O ginecologista Cristião Rosas, da Federação Brasileira dos Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), que também estava no Supremo, diz que o caso de Vitória não é anencefalia completa.

"A anencefalia é uma patologia totalmente incompatível com a vida extra-uterina, não tem nem a calota craniana nem o cérebro. O caso dela é outro caso, na anencefalia o diagnóstico é totalmente fechado. [...] A anencefalia não tem membrana por cima, não tem calota, não tem couro cabeludo, não tem crânio, não tem encéfalo, tem apenas tronco cerebral que mantém apenas os impulsos para batimento cardíaco e movimentos respiratórios. Não há cognição", afirmou.

O especialista em médica genética da Universidade de São Paulo (USP), Thomas Gollop, que também participou do julgamento, afirmou que, em um caso semelhante ao de Vitória, a mãe poderia pleitear o aborto por conta da anencefalia.

"É uma variante da anencefalia que também é morte cerebral e, portanto, é um caso em que o prognóstico está fechado, não há tratamento e há morte certa e em caso maior ou menor todos eles caminham para óbito, todos eles são definidos pelo Conselho Federal de Medicina como morte cerebral. [...] Entra no âmbito das mal formações incompatíveis com a vida. O caso dela ainda assim é incompatível com a vida, a morte dela é certa do mesmo jeito, é uma sobrevida vegetativa e há um diagnóstico médico seguro de morte", afirmou Gollop.

Ou seja, tanto o caso de Marcela quanto o de Vitória entram no rol das exceções de mulheres, mães que, sabendo do prognostico de como as filhas nasceriam, optaram por levar a gravidez adiante, até  o fim. Mas, não se tratava de anencefalia, nenhum dos dois casos, mas mesmo assim parabéns para as duas mulheres por ter levado a gestação ate o fim, sendo que para Marcela o fim mesmo chegou mais tarde que a maioria dos casos iguais e mais cedo que o de Vitória, que aos 2 anos, permanece viva e tomara que permaneça por muito mais tempo, mas sejamos francos: qual poderá ser o futuro dessa criança, se chegar a adolescência? Sem cognição>sem aprendizado>sem cultura>sem profissão. Sejamos mais otimistas,se ela chegar aos 25 anos, seus pais já estarão velhos, possivelmente já terão morrido,quem cuidará dela? Provavelmente algum dos que se manifestaram contrários ao aborto dos anencefalos com orações na frente do STF em 2012? Não, acho que não. Para tal eles teriam que partir para a ação e isso eles não fazem, preferem ficar só na orAÇÃO.

Como eu disse no inicio, essa é apenas minha visão sobre o tema. Posso estar certo, posso estar errado, mas atendi o que minha razão diz e minha razão é formada pelo Direito, pelo Espiritismo bem entendido e pela ciência. Posso até mudar de idéia sobre o assunto, mas preciso que me apresentem fatos, dados que mostrem o avanço dessas ciências: Ciência médica, no caso + Ciência jurídica + Ciência espírita. O velho argumento do “é contra a vontade de Deus” religioso, já não cola mais e tampouco agressões "ad hominem".

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A Necessidade - Kirk ou Spock?

Este artigo, visto que os meus ultimos tem sido mais tipo pesquisas, é uma tentativa de não ser tão claro e para ser mais filosófico e debatível segundo o que a doutrina espírita fala a respeito. Permitam-me ir a uma viagem na qual o espírito é a fronteira final para pesquisar novas perguntas, filosofar novas velhas idéias e audaciosamente ir onde poucos foram.



Como vocês podem ver pela pergunta, sou fã de Jornada Nas Estrelas (a série clássica, com Kirk, Spock e McCoy) e mesmo numa série de ficção para entretenimento, podemos tirar questões filosóficas. Lembro de dois episódios em que os dois personagens principais discorrem sobre a questão da necessidade:

O Senhor Spock disse ao se sacrificar para salvar a tripulação da Enterprise:
- "A NECESSIDADE DE MUITOS SOBREPÕE A DE POUCOS, OU DE UM."



O Capitão Kirk disse ao arriscar sua nave, a Enterprise e toda a sua tripulação, para salvar Spock:
- "A NECESSIDADE DE UM, AS VEZES, SUPERA A NECESSIDADE DE MUITOS."



Com qual dos dois você concorda, levando em conta os postulados doutrinários, sobre essa questão da necessidade?

Kirk? Spock? Os dois? Ou nenhum dos dois? Por quê?

Necessidade ou necessidades? O Livro dos Espíritos fala que o ser tem várias necessidades: necessidade do trabalho, necessidade da vida social, necessidade do bem e mais.

A pergunta trata de necessidade em sentido abrangente e nao especifico, sendo necessario, para responder uma abordagem mais entranhada nos reconditos do Livro dos Espíritos, pois nao é o tipo de pergunta que se possa responder citando "ipsis literis" o que Allan Kardec tenha dito, sendo preciso desenvolver até mesmo um estudo ligando questoes que aparentemente estao isoladas e distantes umas das outras, como as "necessidades" das quais falei acima e mais uma dica: a questao que diz que numa sociedade organizada segundo as leis do Cristo, ninguem morrerá de fome.

Por outro lado, pode ser que a pergunta nao tenha nada a ver com a doutrina, mas... será mesmo que não tem? Creio que é pergunta nao para citar Kardec, mas para se pensar em cima de muita coisa do que ele disse. Mas, isso so será conseguido mediante uma participação maior de todos, pois quero mostrar que não há respostas prontas na doutrina, mas há todo um processo de pensar, de filosofar dentro das bases e tirando as absurdas e antidoutrinarias, so havera um processo de pensar espiritamente. 



Bom, eu entendo que a pergunta é um tanto complexa, pois trata de assuntos não tratados diretamente na Codificação, porém possível de se chegar a uma resposta, mediante análise de diversos itens das obras básicas, e reunindo-se diversos pontos de vistas baseados nas mesmas, chegarmos bem próximo numa conclusão sobre a questão que o tópico traz, pois a pergunta “quem estaria certo, Kirk (necessidade de um apenas) e Spock (necessidade da maioria)” é o tipo de pergunta que requer que se pense espiritamente sobre diversas coisas, aparentemente distintas na Codificação, para se chegar a uma resposta (ou varias), não sendo respondível apenas pelas citações de frases padrões do Codificador. Isto é filosofar.

No Livro dos Espíritos, há referencias a diversas “necessidades”, tais como da vida social, do trabalho, do bem e outras mais, inerentes ao ser, também a questão da caridade ou da que fala que numa sociedade organizada como a do Cristo ninguém morreria de fome, a do orgulho e egoísmo e etc. Se observarmos a frase do Kirk, ela já nos dá uma pista, quando fala que “AS VEZES”, a necessidade de um supera a necessidade de muitos (ou seja, tem um caráter excepcional, que não constitui regra) e na de Spock temos uma regra geral, quase uma lei, se deduzindo que a necessidade social, do coletivo obedece a uma superioridade sobre a necessidade individual (vide necessidade da vida social, no LE). Temos que ver também que essa necessidade individual pode, AS VEZES, obedecer a um capricho egoísta, mas quando ela é causada por orgulho, omissão e egoísmo da sociedade, a necessidade de um só merece atenção (vide a questao da esmola e as partes que falam da caridade).

Além do mais, a coletividade é formada por indivíduos, portanto cada necessidade individual é importante e afeta a sociedade se não for atendida, mas há que se ver, se a referida necessidade individual, não é causada pelo orgulho ou pelo egoísmo, pois isso também afeta a coletividade, causando necessidades da e na coletividade.

Como diria também Spock, Vida Longa e Próspera para todos. Fascinante!




terça-feira, 17 de abril de 2012

Fraudes Em Uberaba: Chico Xavier Não Sabia Diferenciar Um Encarnado De Um Desencarnado?


O artigo que lerão a seguir não é nenhuma novidade, mas estou republicando-o (foi postado originalmente pelo site www.sedentario.org ) pois ainda há quem creia que estas materializações ocorreram e pior, fazem questão de quererem continuar crendo. Vocês podem estar se perguntando: Por que um espírita (eu) estaria  dizendo que essas materializações sao fraudes? E eu respondo: "Simples. Justamente por ser espirita e nao aceitar nada que a razão não me mostre ser possivel e nesse caso, em particular, em que a razão, os olhos e o bom senso me mostrem ser uma fraude."



“Eu vi ao nosso lado o espírito de Emmanuel, que naturalmente você conhece. Então, ele se referiu que a nossa reunião lembrava aquele grande dia de Jerusalém quando os discípulos, de portas fechadas (conforme a palavra indiscutível do Evangelho) receberam a visita de N.S. Jesus Cristo, plenamente materializado depois da crucificação. Então, disse o nosso Emanuel, que guardadas as proporções, muito longe de querermos comparar a reunião nossa com a reunião apostólica, disse que ele o fenômeno da recorporificação do Cristo lembrava o da Irmã Josefa e do nosso amigo dr. Alberto Veloso que foram os espíritos que se materializaram no consultório”. — Chico Xavier 

O que você vê na fotografia acima? Eu vejo um homem com panos, como gaze, saindo de sua boca, amparado por outra pessoa totalmente coberta de véus, incluindo um capuz incluindo uma viseira — similar a uma burca. E ao lado das duas figuras, que a fotografia em nada sugere serem algo sobrenatural, está ninguém menos que Chico Xavier.

O próprio Xavier expressou uma opinião diferente dos fenômenos que presenciou, e é o que citamos através de Jorge Rizzini no trecho acima. Para Chico Xavier, ou melhor, a seu guia Emanuel, a seu lado estaria o espírito materializado da “Irmã Josefa”, em um feito, “guardadas as proporções”, lembrando a própria ressurreição de Jesus.

Emanuel, ou melhor, Chico Xavier, estava enganado.

Comecemos pelo final, e pelo fato que todos, independente de sua crença ou descrença, reconhecem. Em 1970, uma senhora chamada Otília Diogo foi pega no ato.

Conhecida por supostamente “materializar” espíritos diversos, notoriamente o da “irmã Josefa” bem como do “doutor Alberto Veloso” em sessões realizadas às escuras e que muito impressionavam aos crentes, ocorre que Diogo queria tirar as rugas de seu rosto. E para tal, confiou que um médico espírita faria o trabalho muito terreno em troca de algumas de suas fantásticas materializações.

Com o que Diogo não contava é que o médico não era tão ingênuo, e pouco convencido com o que viu, ficou desconfiado com a maleta que a médium levava. Resolveu abri-la. Lá dentro encontrou todos os apetrechos usados para as “materializações”, dos véus, passando pelos terços e até mesmo a barba postiça do “doutor Veloso”.



Exposta e confrontada, Diogo vociferou palavrões, mas ameaçada de ser levada à polícia, finalmente confessou a fraude. Era realmente tudo um embuste.

No entanto, a confissão veio com um detalhe: Otília só teria começado a fraudar em 1965. Antes disso, alega que realmente teria poderes autênticos, realmente materializaria espíritos.

Por que esse detalhe é importante? Porque é o detalhe que envolve as materializações de Uberaba e alguma das principais figuras do espiritismo brasileiro.

Em 1964 Otília Diogo protagonizou seu show na presença de muitos. E entre estes muitos estavam Chico Xavier e Waldo Vieira de um lado, e os repórteres da revista Cruzeiro de outro. A extinta revista dos Diários Associados tinha então uma influência que mesmo hoje nenhuma publicação pôde igualar, conseguida através de uma tiragem impressionante. E para vender tanto, podemos dizer que o Cruzeiro não mantinha um rigor jornalístico muito elevado. 

Com as materializações de Uberaba tendo Diogo como centro e Xavier e Vieira como ilustres coadjuvantes, pode-se dizer que lucraram todos: com a polêmica, o espiritismo ganhou projeção — como o próprio Vieira comentou posteriormente — e o Cruzeiro ganhou o que sempre lhe interessou, vendagem primeiro promovendo o mistério, e então o expondo. A polêmica se estendeu enquanto espíritas, representados principalmente por Jorge Rizzini, defenderiam as materializações de Diogo.
"Foto do espírito materializado Irmã Josepha, rara foto de rosto descoberto (Campinas - SP)"

Até hoje espíritas alegam que as fotografias das sessões de Uberaba, ao contrário do alegado pelos repórteres do Cruzeiro, não só não denunciariam truques, como comprovariam feitos sobrenaturais. Nisto, penso que a crença se sobrepõe à pura e simples observação. Apesar da publicação não ser notória por seu rigor e mesmo ética jornalísticos, as fotografias, analisadas mesmo por um verdadeiro perito, sim evidenciam que o espírito masculino do “doutor Veloso” apresenta os mesmos traços faciais de Otília, e mesmo o volume de um busto. 


Imagens onde o “espírito” aparece rente às grades, com várias partes dos véus jogadas para o lado de fora da “jaula”, são promovidos como registros do espírito atravessando as grades. Mas é evidente que a pessoa muito sólida, que chega mesmo a segurar uma Bíblia entregue por Xavier e Vieira, não atravessa nenhum vergalhão. Simplesmente estende seus braços para a frente. Apenas a fé, e a fé cega, enxerga algo sobrenatural nestas imagens.

Confrontados com essas observações, apologistas das materializações de Uberaba alegam que as fotografias poderiam ter sido forjadas, ou mesmo que seriam ambíguas. Isto é, se não comprovariam nenhum feito sobrenatural, tampouco comprovariam a fraude.



Em um novo livro publicado postumamente, um dos fotógrafos e principais envolvidos com as peripécias de Otília Diogo divulga imagens inéditas. Nedyr Mendes da Rocha defende os fenômenos, mas as imagens que divulga, em minha opinião, só reforçam o que já deveria ser óbvio: nunca houve evidência de algo sobrenatural nessas sessões.

A imagem acima é descrita como “Nestor [pai de Nedyr] e o espírito materializado Dr. Alberto Veloso (Campinas – SP)”. Há alguma dúvida de que o que se vê claramente nas imagens é ao invés uma mulher, a própria Otília Diogo, com o volume de seu busto, usando barba postiça e uma touca que mal esconde o volume bem como a cor de seus cabelos?

Antes de Uberaba Otília já fraudava. Depois de Uberaba, Otília fraudava. As fotografias das sessões de Uberaba mostram a “Irmã Josefa” como idêntica a Diogo, bem como o “dr. Alberto Veloso”, sempre com o volume de seus seios. Que lógica levaria alguém a não concluir que as sessões de Uberaba presenciadas e garantidas por Chico Xavier e Emanuel também foram uma farsa?

Décadas depois, o próprio Waldo Vieira diria que as sessoes realmente foram truques. Defensores das sessões de Uberaba alegam que Vieira estaria, hoje, mentindo, e que a palavra de Chico autenticando o caso deveria se sobrepor a todas as outras declarações, incluindo às fotos. Atacam Vieira, atacam o Cruzeiro. Lembram como as roupas de Otília Diogo teriam sido rasgadas, em uma história contada por Jorge Rizzini.


A história dramática dos repórteres tentando desmascarar a médium violentamente soa bem como um romance, mas contrasta com a “confraternização no encerramento da sessão com os repórteres e fotógrafos” registrada por Mendes da Rocha, e em verdade, mesmo entre aqueles que defendem as sessões de Uberaba não há confirmação ao evento. Pelo visto não foi apenas o Cruzeiro que se aventurou a dramatizar eventos.

Não há evidência razoável de que Otília Diogo realmente materializasse algo, a despeito de todo o endosso que recebeu e toda a legião de defensores que possui até os dias de hoje. A evidência aponta justamente, e muito claramente, a trucagens precárias e uma dissonância cognitiva através da qual toda evidência de fraude foi automaticamente interpretada como evidência de algo sobrenatural.

Chico Xavier, que atribuiu a presença de Emanuel e associou o caso à própria ressurreição de Jesus, estava enganado. Muitos, ao defender o caso, continuam enganados. Tudo o que vemos nas fotos é tudo o que vemos nas fotos: uma mulher coberta de panos e por vezes uma barba postiça.

Conclusão:

Ficou constatada a fraude. Dirão que por parte de Otilia, mas livrarão, como livraram, a cara do Chico de toda e qualquer responsabilidade na fraude que ele presenciou (ou a foto tambem é mentira?) durante anos. De qualquer jeito pergunto: qual a confiabililidade que merece(u) um medium que declara ter participado de uma materialização quando ele foi INCAPAZ de diferenciar um encarnado de um desencarnado e ser deste modo enganado? Isso quem acreditar que ele não tem mesmo culpa na fraude.




sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Espiritismo "Made In Brazil"



Ancorada num verde-amarelismo típico da década de 1930, a obra "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" se mostra anacrônica seja para espíritas de outras nacionalidades seja para imigrantes brasileiros, para quem a "árvore do evangelho" se transplanta junto com sua trajetória de migração. - Bernardo Lewgoy


O artigo que lerão a seguir foi publicado originalmente por Bernardo Lewgoy, que é Professor do Departamento de Antropologia da UFRGS. Ele não é espírita e faço aqui, uma adaptação do texto original de Bernardo, face ao tamanho do mesmo, mas mantenho o texto original para efeitos de comparação em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872008000100005


O espiritismo está presente em mais de 30 países, a maioria por influencia da Federação Espírita Brasileira, tendo o próprio espiritismo francês dependido de uma hegemonia brasileira, no que chamaremos de “mercado espírita”, para respaldar suas pretensões de legitimidade, circunscrevendo uma influencia marcadamente francófona e não universal, criando assim uma relação ambivalente com o espiritismo brasileiro.

Percebe-se que há um processo de brasilianização do movimento espírita internacional, no qual o espiritismo abrasilianizado é exportado como produto tipicamente religioso em que crenças e rituais “made in Brazil” tentam, num processo de afirmação identitaria mostrar que o novo movimento espírita nascente nesse ou naquele país, guarda uma relação, digamos, espiritual com a origem brasileira e ao mesmo tempo manter-se universal. E esse processo de brasilianizaçao guarda outros elementos também tais como:
  • O modelo federativo da FEB;
  • A forma de organização e funcionamento das casas espiritas;
  • Os rituais e ênfases  praticados no espiritismo brasileiro;
  • Literatura predominantemente psicografica de Chico Xavier e Divaldo Franco.

Allan Kardec, o criador do espiritismo, encarnou como poucos o ideal racionalista do século XIX, quando a ciência, a filosofia da história e o determinismo passaram a tomar o lugar do voluntarismo subjetivo na imaginação moral. Como se depreende do Livro dos Espíritos, muito da sua figura tem a ver com a austeridade burguesa da época; e seu ideal de ciência experimental, aplicado à religião, é profundamente marcado pelo positivismo: a importância transcendental do método, a ontologia naturalista, a unidade da verdade garantida através da concordância intersubjetiva dos experimentos, a exposição didática das respostas. Nesse primeiro sentido, Kardec foi um homem das Luzes, que criou uma religião altamente relacionada com os ideais de sua época:
- a laicidade,
- o progresso e
- o espírito científico,

tendo atraído cientistas e literatos. Nesse sentido, o espiritismo anunciava-se como uma religião natural, o que originou uma tensa e não resolvida relação entre demonstração experimental e revelação, que significa que seu prestígio era dependente da simpatia da comunidade intelectual pelo fenômeno.

No caso brasileiro, houve dois deslocamentos importantes em relação ao cientificismo kardequiano:
  • o deslocamento da ênfase na mensagem para a ênfase no carisma do médium e
  • o deslocamento da comunicação espírita entre indivíduos desconhecidos num mesmo espaço mediúnico impessoal para a mediação relacional entre seres já ligados por nexos anteriores, geralmente familiares.

Comparando a inserção do espiritismo nas histórias francesa e brasileira Aubrée e Laplantine (1990) mostraram que, comparada à França do século XIX, na sessão espírita no Brasil do século XX predominou um espaço familiar antes que um espaço impessoal. Por isso, as mães e mulheres, figuras centrais na mediação familiar, são tão importantes no desenrolar das sessões.

A FEB adquiriu hegemonia no movimento espírita brasileiro a partir de 1949, depois de campanhas nas quais a atuação e promoção de Chico Xavier cumpriu um papel central. A FEB continua, sem dúvida, hegemônica no atual período, mas há um amplo debate interno entre os espíritas e diversas organizações e dissidências, além da própria influência do individualismo psicológico da Nova Era. É preciso frisar que as conjunturas e conflitos que opunham o espiritismo à Igreja Católica assim como reforçava seus nexos com nacionalismo estatista, esgotou-se com o Concílio Vaticano II e com o fim da ditadura militar brasileira. Não por acaso, vários espíritas estiveram ligados ao Estado Novo e, posteriormente ao regime militar de 1964.

Esse esgotamento do modelo de espiritismo da FEB promoveu curiosas reações puristas de volta às origens kardequianas, assim como movimentos opostos em direção às terapias novaeristas, à intensificação do psicologismo na reflexão de espíritas e, por último, mas não menos importante, à afirmação de um compromisso de envolvimento social e educacional nas campanhas das federações espíritas regionais.

O espiritismo de Allan Kardec foi introduzido no Brasil na segunda metade do século XIX, ainda durante o Império, como um entre outros modismos importados da França, potência largamente hegemônica no imaginário intelectual e estético das elites brasileiras da época . Em pouco tempo o espiritismo converteu-se em alternativa religiosa de vanguarda, cujo charme estava em sua singular conjugação entre ciência experimental e fé revelada, associada a um anticlericalismo que agradava a um público de opositores ilustrados do Império, notadamente os abolicionistas e republicanos.

Inicialmente praticado em círculos de imigrados franceses no Rio de Janeiro, o desenvolvimento do espiritismo foi impulsionado pela tradução das obras de Allan Kardec; primeiro pelo jornalista baiano Luiz Olimpio Telles de Menezes, na década de 1860 e, logo após, pelo médico Joaquim Travassos. Nessa época, registraram-se importantes adesões de membros da elite imperial ao espiritismo, como o médico e político cearense Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti (1831-1900), além de outros médicos, advogados, jornalistas e militares. Esse grupo contava desde anti-católicos de tendência mais científica até com outros mais próximos de uma leitura religiosa catolicizante da doutrina espírita, conformando-se uma tensão recorrente no espiritismo posterior, especialmente a partir da fundação da Federação Espírita Brasileira, em 1884.

O espiritismo da FEB congregava uma alternativa religiosa minoritária ao catolicismo, dentro de um espírito "associativista". Aliás, as associações e federações eram o espaço, por excelência, do pluralismo possível nessa época de insipiente democracia republicana. O grupo da FEB, no entanto, só ganhará o reconhecimento de entidade federativa nacional em 1949, no chamado Pacto Áureo (Santos 1997).

Historicamente, a FEB moveu-se numa dialética de oposição e sincretismo com a Igreja Católica. A valorização primordial da caridade, o atendimento assistencialista aos pobres, a ênfase numa "religiosidade interior" acima de "rituais vazios" e a implantação de alguns cultos familiares decorrem de trocas sincréticas paradoxais do espiritismo da FEB com uma Igreja Católica fortemente romanizada em finais do século XIX.

O advento da República trouxe consigo o princípio constitucional da liberdade religiosa. O espiritismo consagrou-se naquele momento como uma doutrina da caridade e da assistência aos pobres (tradicional bandeira católica), sobretudo através da prescrição mediúnica de receitas homeopáticas a uma população praticamente destituída de assistência médica.

Com o tempo, definiu-se um padrão para a organização de centros espíritas, em que a terapia de passes, a fluidificação de água, o atendimento fraterno e a "desobsessão" (espécie de ritual dialógico de exorcismo e conversão de espíritos baixos, marcado por momentos de dramaticidade e agonismo) vieram a suplantar a anterior ênfase no receitismo mediúnico sem, contudo, eliminá-lo. O espiritismo orientou-se para uma clientela de camadas médias urbanas letradas, oferecendo-lhes um sucedâneo laico do catolicismo, afinando-se progressivamente com os desafios de construção nacional no Brasil das primeiras décadas do século XX. Sua mensagem ecoou fortemente entre os segmentos profissionais urbanos, como militares, advogados, funcionários públicos, médicos e jornalistas, muitos deles em oposição ao controle de suas consciências e projetos pelas autoridades católicas. Por se tratar de uma religião que acentua a razão e o livre-arbítrio, realizada em formas organizacionais voluntárias, articuladas num padrão federativo, o chamado kardecismo foi um dos poucos espaços de uma religiosidade reflexiva e interiorizada na primeira metade do século XX, em oposição à religiosidade tradicional e familiar do catolicismo, como já havia destacado o pioneiro estudo de Cândido Procópio de Camargo (1961).

E quem foi afinal, o responsavel pelo proselitismo a nível mundial do espiritismo “Made In Brazil”? Chico Xavier? Não. Chico fazia parte dos planos de se criar, como médiumpoderoso, uma escatologia nacional (décadas de 30 e 40) e de ser visto como um santo popular  não católico (anos 50 em diante) firmando dessa maneira as balizas doutrinarias e rituais de um espiritismo influenciado pela cultura católica brasileira.

Então quem foi o proselitista? Foi Divaldo Pereira Franco que recebeu a “missão” de nos anos 60 em diante, com suas conferencias “around the world” de levar com suas palestras por diversos países (cerca de 50) aos imigrantes brasileiros nesses países (quase nunca eram naturais desses mesmos países), espalhando assim o “espiritismo pirata” por países como Estados Unidos, Holanda, Suécia, Inglaterra, Espanha, Portugal, Guatemala, Honduras, Colômbia, México e... França!

Enquanto Chico Xavier realiza um abrasileiramento do espiritismo francês, fincando raízes numa proposta verde-amarelista típica dos anos 1930, Divaldo Franco expressa uma vontade de expansão internacional da proposta espírita, tal como desenvolvida recentemente pela Federação Espírita Brasileira, ou seja, a articulação de uma brasilianização do espiritismo sem perda da referência básica a Allan Kardec. Nesta proposta, a recepção ao espiritismo articula-se à organização de grupos que fora do Brasil reproduzem o modelo brasileiro de funcionamento, vivência doutrinária e práticas rituais das casas espíritas. Mesmo a bibliografia indicada passa a ser fortemente marcada por obras de Chico Xavier e Divaldo Franco (Não se fala ou divulga as obras de Kardec notaram?) Na obra psicográfica de Chico Xavier, André Luiz e Emmanuel são os espíritos-autores mais freqüentes nas bibliografias difundidas no exterior. A chamada "série André Luiz" focaliza aspectos da vida no mundo espiritual (como no best seller Nosso Lar, que narra a vida numa colônia espiritual) e aprofunda questões técnicas e morais ligadas ao exercício da mediunidade (como, por exemplo, no trato das obsessões espirituais). Considerando-se que foi por intermédio da série André Luiz que o espiritismo brasileiro estabeleceu um cânon textual para a exegese das sessões espíritas, é compreensível que a exportação dessa referência adquira importância estratégica na uniformização de uma hermenêutica religiosa própria no espiritismo brasileiro.

Já as obras do espírito Emmanuel contêm um acento mais doutrinário, em dissertações e romances que se passam nos inícios do Cristianismo, inscrevendo-se num universalismo cristão desde sempre reivindicado pelo espiritismo. É essa pretensão de universalidade cristã que permite aos romances históricos de Emmanuel certa transportabilidade no âmbito de uma diáspora espírita brasileira, que envolve um constante diálogo entre memória nacional e destino migratório.

Ao contrário, uma obra como Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho (de Chico Xavier, atribuída ao espírito de Humberto de Campos), que delineia a escatologia nacional do kardecismo no Brasil, não consta em nenhuma indicação bibliográfica dos sites consultados. Ancorada num verde-amarelismo típico da década de 1930, essa obra se mostra anacrônica seja para espíritas de outras nacionalidades seja para imigrantes brasileiros, para quem a "árvore do evangelho" se transplanta junto com sua trajetória de migração.

No século 19 o espiritismo foi, de fato, um movimento internacional, que envolvia pesquisas com William Crookes, Cesare Lombroso, Alexander Aksakof, Ernesto Bozzano, Gustave Geley e outros pesquisadores que eram de países como URSS, Inglaterra, Itália, França e outros, mas esse movimento sofreu uma retração no século 20 chegando, mesmo na França, onde nasceu, a se extinguir ou perder muito de sua importância. Paradoxalmente, enquanto a ciência e pesquisa espíritas decresciam em todo o mundo, o movimento espírita brasileiro, que nada tinha de cientifico ou de pesquisa, ganhava em pujança e o espiritismo que, nas palavras do Codificador não era uma religião no sentido de culto, passou a estar uma religião pré-fabricada, ou seja, e as palavras agora são minhas e não de Bernardo Lewgoy, virou uma religião Viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido.

Desde 1990, o espiritismo tem se articulado em diversos paises, sempre sob a forma de congressos mundiais, nacionais ou regionais, como na França, em 2004, onde dos 1763 participantes do Conselho Espírita Internacional, 1190 eram brasileiros!!! Salta aos olhos a descomunal desproporção existente entre participantes brasileiros e de outros paises, mais se parecendo com um processo de colonialismo pelo espiritismo brasileiro do que um processo de divulgação do espiritismo propriamente dito.

Tendo homenageado o bicentenário do nascimento de Allan Kardec, o Congresso foi fechado com uma conferência do médium brasileiro Divaldo Franco, sempre o grande astro dos eventos espíritas internacionais. Em seu discurso de encerramento, Divaldo não poupou elogios aos pensadores franceses clássicos e contemporâneos, de Voltaire a Edgar Morin. Em plena pátria de Allan Kardec, foi tão absoluta a hegemonia brasileira que a minimização tática da contribuição brasileira em nada ameaçou a posição desfrutada pelo país no movimento espírita internacional.

Com exceção do mundo francófono, é a Federação Espírita Brasileira que fornece o sustento intelectual, ritual e doutrinário para os espíritas. Através de sua editora, a FEB se encarregou da tradução de obras (ditas) espíritas para diversas línguas. Além disso, ela promove cursos de formação de dirigentes, divulgadores, médiuns e oradores espíritas em sua sede, em Brasília, oferecendo vasta bibliografia técnica de apoio às atividades ordinárias de centros espíritas (envolvendo formação, organização e administração de centros espíritas, aspectos legais, realização de congressos, articulação de federações). Isto permite lançar as bases da reprodução de seu modelo nos diversos países através de uma ampla oferta de infra-estrutura, material bibliográfico e referências exemplares para a prática cotidiana de passes, atendimento fraterno, estudo sistematizado da doutrina espírita, desenvolvimento mediúnico, desobsessão, evangelização infantil e ações de caridade. Ou seja, o projeto espiritismo “made in Brazil” ganha corpo.

Chico Xavier e Divaldo Franco estão entre as recomendações bibliográficas da FEB para os países colonizados pelo espiritismo “made in Brazil”. No Japão,  Austrália e Inglaterra, Holanda, Suécia e Noruega é extremamente provável que os espíritas desses paises se trate de grupos majoritariamente formado por imigrantes brasileiros e se reúnem, como na Suécia (brasileiras casadas com suecos) e Holanda, em residencias e fazem sessões em português. Na Holanda, pelo menos eles não estão restritos a psicografias chiquisticas ou divaldianas, mas possuem cópias xerox de "Het Boek der Geesten", "Het Boek der Mediums", "Het Evangelie volgens het Spiritisme", "Hemel en Hel", "Genesis" e "Wat is het Spiritisme?". Ou seja, muito pouco para quem quer estudar Kardec.

Na Inglaterra, a valorização da história espírita britânica equilibra uma ênfase exclusivamente brasileira na prática espírita. Nomes de centros com espíritas famosos como Sir Wiliam Crookes – também nome de uma relevante newsletter espírita inglesa – integram essa tentativa de redescoberta de referências nacionais próprias por influência de um espiritismo animado por brasileiros.

Esse diálogo entre influência brasileira e resgate de referências locais é também a tônica do espiritismo hispano-americano e ibérico. No espiritismo espanhol, há uma valorização de fatos e médiuns da história espírita local, com destaque para a reedição das obras da médium Amalia Soler. Percorrendo a bibliografia recomendada no site da federação espírita espanhola, percebe-se uma ampla aceitação das obras do espiritismo brasileiro, em que pese se tratar de um movimento espírita antigo e autônomo. Frise-se que o espiritismo espanhol tem uma considerável tradição republicana e anticlerical, o que lhe rendeu perseguições durante a ditadura de Franco. O apoio de médiuns brasileiros, como Divaldo Franco, contribuiu para revitalizar o movimento espírita espanhol a partir dos anos 1960. Nesse sentido, mantém-se atual a análise de Laplantine & Aubrée quando estes caracterizam o espiritismo espanhol como "estando a meio caminho entre as práticas brasileiras e as práticas francesas", mais aberto a influências variadas .

Também em Portugal é bastante influente a ação do espiritismo brasileiro, desde as primeiras missões de Divaldo Franco, nos anos 1960. Os espíritas portugueses também promovem a valorização de um repertório nacional próprio, onde o poeta Fernando Pessoa é alegado como médium assim como se ostenta "a origem portuguesa de vários personagens do espiritismo brasileiro".

A França tem uma história autônoma de resistência à completa desaparição do movimento espírita, por parte de um pequeno grupo de abnegados, que resultou na fundação, em 1985 da União Espírita Francesa e Francófona sob a direção de Roger Perez. É mister indicar que se trata do espiritismo mais cioso da manutenção de uma independência em relação ao espiritismo brasileiro, perceptível pela tímida introdução da bibliografia brasileira nos documentos, jornais e sites do movimento. Não há médiuns psicógrafos de relevo como no Brasil, não apenas por um tipo de orientação, que remonta a Allan Kardec, onde o médium não desfruta de importância, mas porque mesmo no mais religioso dos grupos espíritas franceses a ênfase é mais científica do que entre os brasileiros. Os franceses que escrevem livros espíritas são pesquisadores que abordam temas e não médiuns que psicografam mensagens de grandes personagens ou romances, como é comum entre os brasileiros, a despeito da grande importância da psicografia na história do espiritismo francês.

As diferenças de ênfase e conteúdo nas práticas espíritas de brasileiros e franceses podem se manifestar num mesmo centro, onde os franceses têm uma apreensão mais científica, intelectual e ética do espiritismo, com pouco ou nenhuma presença do transe de possessão enquanto os brasileiros têm um estilo mais emotivo e centrado na comunicação ritual com os espíritos.

Em seus contatos com os espíritas brasileiros, apesar de já terem sido realizados quatro Congressos Espíritas Internacionais, o que se nota é, comparando-se com outros países, uma tímida introdução das referências bibliográficas de médiuns brasileiros – como Chico Xavier e Divaldo Franco – nas indicações bibliográficas dos sites espíritas franceses e belgas. Estará em jogo uma ameaça à identidade nacional do espiritismo francês nessa recusa a uma abertura mais franca ao Brasil?

Os espíritas francófonos enfrentam, assim, o seguinte dilema: para alcançar a respeitabilidade social em seu próprio país é de suma importância ostentar a presença e a importância do espiritismo em vários países. Mas essa importância cobra o preço de uma brasilianização intolerável para a manutenção de uma intocada identidade espírita francesa.


A solução francesa não passa pela eclosão ou santificação de médiuns carismáticos (como no Brasil), medida incompatível com seu racionalismo. Os espíritas franceses têm investido na formação de um cânon através de uma enciclopédia espírita virtual. Outro investimento consiste na valorização do rico patrimônio religioso espírita, particularmente de marcos que se tornaram centros de uma peregrinação turística de brasileiros, como em Lyon (cidade natal de Allan Kardec), onde recentemente foi inaugurada placa comemorativa referente ao bicentenário de nascimento do Codificador.

No túmulo de Allan Kardec, situado no cemitério Père-Lachaise, em Paris, há uma placa da União Espírita Francesa e Francófona, afixada em 1989, advertindo os visitantes para não realizarem pedidos ou rituais religiosos, ou imposição de mãos diante do túmulo – o mais visitado e florido do cemitério. Frise-se, no entanto, que essa disputa em torno do significado desse santuário está longe de ter sido vencida pelo espiritismo ortodoxo da USFF, pois o túmulo é um santuário de peregrinação. Ou seja, o espiritismo francês está numa encruzilhada, “se correr o espiritismo ‘made in brazil’ pega, se ficar a FEB come”.

Explico: Porque não há no movimento espírita internacional um fenômeno de "regalicização" ou "reafrancesamento" sob a liderança dos espíritas franceses? De fato, Kardec, tal como todas as obras de espíritas franceses dos séculos XIX e XX, é um importante trunfo do kardecismo, integrando-se à tendência geral de transnacionalização com valorização de patrimônios espíritas nacionais. Mas a descontinuidade histórica do prestígio do movimento, sua relativa marginalidade e tamanho reduzido na sociedade francesa atual, onde é praticamente visto como uma seita, são fatores que dificilmente poderiam ser compensados numa competição mundial por hegemonia com o espiritismo brasileiro. Assim, o espiritismo francês se encontra numa encruzilhada: simultaneamente zeloso de sua autoctonia e participante de um movimento internacional que concorda tacitamente com a hegemonia brasileira mas controlando cuidadosamente a penetração das referências deste no espiritismo francês.

Agora, as palavras que se seguem são apenas minhas e não de Bernardo Lewgoy e nem se tratam de adaptações intra-texto:

- O numero de espíritas no Brasil não chega a atingir 1,3% da população brasileira ou seja, calculando-se a mesma em 200 milhões de habitantes chegamos a 2 milhoes e 600 mil espiritas que é... nada! Mas, que e muito perto do exíguo montante de espiritas no mundo e que fica menor ainda se contarmos os espiritas in natura, isto é, os nativos das pátrias que forem consideradas, ou seja, espiritas japoneses, ingleses, portugueses, espanhóis, suecos e assim por diante e não apenas brasileiros  radicados nesses países.

No meu entender, esse processo de brazilianiazaçao é errado, pois espalha-se multiplica-se  o erro em detrimento do aspecto cientifico e das pesquisas sérias; não divulgamos a doutrina no que ela tem de universal, só divulgamos um neo-catolicismo travestido de espiritismo (ou seria o contrario?) e internamente, no Brasil, a briga entre espíritas aumenta.

Há espiritas que, chamados de místicos, reagem, agressivamente ate, a qualquer menção de ser necessário voltar às bases com Kardec; que se indispõem, furiosamente inclusive, a qualquer tentativa de usar a razão para se analisar coisas como as colônias espirituais, perfectibilidade de médiuns e espíritos; e se revoltam quando dizemos que  o progresso intelectual antecede o progresso moral, como se a própria codificação não dissesse o mesmo. Interessante perceber que para eles a moral é mais importante que a razão, a qual vêem como algo secundário, mas não é, pois a caridade, que louvam tanto, nasce de onde, senão de um entendimento (razão) que faz nascer, por sua vez, um senso moral? E é mais importante ainda notar que a reforma moral não se fez justamente por aqueles que mais falam em moral, em caridade, que só falam nelas, que apenas oram e sabem repetir palavras e citações bonitas, mas que não agem pro-ativamente: os chamados religiosos que agridem tanto ou mais do que os não-religiosos.

E há tambem os espiritas não-religiosos, que já foram chamados de cientificistas e mais recentemente de ortodoxos, que prezam por um retorno as bases com Kardec, mas um retorno como um todo e para todos, por uma volta as pesquisas sérias, mas noto uma falha neles. Os dito místicos são mais unidos no erro deles do que os ortodoxos são no que julgamos nossos acertos, achamos que podemos resolver tudo sozinhos e devolver à doutrina espírita o seu legitimo lugar, que seremos o novo Kardec, mas se não houver um movimento sério de união ortodoxa, com cada um deixando de lado o desejo de brilhar sozinho ou em um pequeno grupo, e principalmente sem nos julgarmos os donos do espiritismo, nada conseguiremos e mais cedo ou mais tarde seremos engolidos pela onda mística. Nosso trabalho é mais difícil pois além de ter que vencer as barreiras dos ditos místicos, temos primeiro que vencer nossas próprias barreiras internas, que nos mantém iludidamente auto-suficientes como se nós nos bastássemos sozinhos, sem mais ninguém, para restaurar a identidade da doutrina espírita.

Precisamos uns dos outros, sim e precisamos de todos que vejam no espiritismo mais do que o Espiritismo à brasileira, que queiram de volta uma doutrina nem verde-amarelista nem francesa, mas sobretudo, universal, que responda tanto a brasileiros quanto a japoneses, franceses, portugueses, argentinos e outras nacionalidades do mesmo modo.