quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Fraude Lentulina




Públio Cornelius Lentulus Sura tem existência histórica conhecida, mas seu suposto neto, ou bisneto, que teria convivido com Cristo e fora uma das encarnações de Emmanuel, deste não há qualquer indício que tenha existido. Publio Lentulo só é referido a partir do século XV. Antes disso, silêncio total. Pesquisas históricas dão conta de que Lentulos Sura não tenha deixado descendente masculino, portanto, não poderia ter tido um bisneto. E, ainda, que esse bisneto pudesse ser, de algum modo, imaginado, outros óbices se interpõem à admissão de um Lentulo em missão na Judéia, na época de Cristo. 

Quem foi Publio Lentulus?

Político romano, nascido no período terminal da república, Publius Cornelius Lentulus Sura teve uma vida particula polêmica, a ponto de ser expulso do senado por causa disto. Foi questor (81 a.C.) e pretor (75 e 63 a.C.). Tomou parte numa tentativa de golpe perpetrada por Catilina. Descoberta e reprimida a conspiração, ele foi preso estrangulado (63 a.C.).

Mas existiu também outro Lentulus. Publius Cornelius Lentulus Spinther foi edil (63), pretor (60) e cônsul (57). Foi partidário de Cícero e pôs-se ao lado de Pompeu na luta contra César. Foi preso e executado logo após a batalha de Farsália, que praticamente selou o destino de Pompeu e seus seguidores.

Espere aí! Não está faltando nada? E quanto ao procurador da Judéia, contemporâneo de Cristo e que deu uma descrição detalhada dele:

“Sabendo que desejais conhecer quanto vou narrar; existindo nos nossos tempos um homem, o qual vive atualmente de grandes virtudes, chamado Jesus Cristo, que pelo povo é inculcado profeta da verdade, e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, criador do Céu e da Terra e de todas as coisas que nela se acham e que nela tenham estado; em verdade ó César, cada dia se ouvem coisas maravilhosas desse Jesus; ressuscita os mortos, cura os enfermos, em uma só palavra: é um homem de justa estatura e é muito belo no aspecto. Há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são forçados a amá-lo ou temê-lo. Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura, são distendidos até as orelhas, e das orelhas até as espáduas, são da cor da terra, porém muito reluzentes. Tem no meio da sua fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso nos Nazarenos; o seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, nenhuma ruga ou mancha se vê em sua face de uma cor moderada; o nariz e a boca são irrepreensíveis. A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não muito longa, mas separada pelo meio; seu olhar é muito especioso e grave; tem os olhos graciosos e claros; o que surpreende é que resplandecem no seu rosto como os raios do sol, porém ninguém pode olhar fixo o seu semblante, porque quando resplandece, apavora, e quando ameniza faz chorar; faz-se amar e é alegre com gravidade. Diz-se que nunca ninguém o viu rir, mas antes chorar. Tem os braços e as mãos muito belas; na palestra contenta muito, mas o faz raramente e, quando dele alguém se aproxima, verifica que é muito modesto na presença e na pessoa. É o mais belo homem que se possa imaginar, muito semelhante a sua Mãe, a qual é de uma rara beleza, não se tendo jamais visto, por estas partes, uma donzela tão bela...
 

De letras, faz-se admirar de toda a cidade de Jerusalém; ele sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e admiram. Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os hebreus, não se ouviram, jamais, tais conselhos, de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como Divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei de tua Majestade.
 
Diz-se que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele têm praticado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde, porém à tua obediência estou prontíssimo - aquilo que Tua Majestade ordenar será cumprido.
 

Vale, da Majestade Tua, fidelíssimo e obrigadíssimo. “

Públio Lêntulus


(Há variantes do texto acima, a partir de um manuscrito do século XV)

Então que foi a antiga encarnação de Emmanuel, apresentada em livro homônimo de Chico Xavier?

“Levando as suas dissertações ao passado longínquo, afirma ter vivido ao tempo de Jesus, quando se chamou Públio Lentulus. E de fato, Emmanuel, em todas as circunstâncias, tem dado a quantos o procuram o testemunho de grande experiência e de grande cultura.”

Simplesmente, até onde se sabe, não foi ninguém. Não se conhece nenhum governador de Jerusalém ou procurador da Judéia cujo nome tenha sido Públio Lentulus. Um escritor latino, dirigindo-se ao imperador, dificilmente empregaria os termos “profeta da verdade”, “filho de Deus” e “Jesus Cristo”. Os dois primeiros são hebraísmos e o último só aparace no novo testamento. A carta é considerada apócrifa e deve ter sido a descrição feita por algum cristão do que ele imaginava da aparência de seu profeta.
        
Alguém mentiu neste incidente? Bem, até que se ache alguma comprovação histórica da figura de Públio Lentulus ou se eliminem as sombras que surgiram, o relato de Emmanuel é , no mínimo, um tanto suspeito. Nem mesmo os católicos atuais aceitam esta carta e seu suposto autor Publius Lentulus.


Quanto mais alguém se dedica a estudar, em termos de evidenciação histórica, a identificação de “Emmanuel”, mais percebe que, ao fim e ao cabo, tudo tende a girar em torno dum ponto específico, ou melhor, dum documento específico, a assim denominada “Carta de Lêntulo”.  
De fato, “Emanuel” afirma ter tido várias “encarnações” no mundo dos vivos; três delas são as mais famosas, referindo-se a personagens históricas importantes: ele teria sido Lêntulo Sura, o conspirador catilinário; depois, Públio Lêntulo, bisneto por linha paterna desse Lêntulo Sura, e senador contemporâneo de Cristo; enfim, muitos séculos depois, o padre jesuíta Manuel da Nóbrega (daí, talvez, tenha tirado o nome pelo qual escolheu ser conhecido, “Emanuel”).  Contudo, dessas três, de longe a mais importante foi a de Públio Lêntulo, o contemporâneo de Cristo, que com Ele conviveu, que sobre Ele escreveu a seus superiores em Roma, e mais, que d’Ele, inclusive, teria obtido uma graça particular, a cura de sua filha Flávia Lentúlia, acometida de lepra (os detalhes encontram-se na psicografia “Há Dois Mil Anos”).  

E, ao se analisar melhor essa personagem, Públio Lêntulo, nota-se que tudo o que se sabe dela por outros meios além das psicografias “emanuelinas” de Xavier resume-se nesse documento, a epistula Lentuli, a “carta de Lêntulo”.

Portanto, todo o presente trabalho refere-se à análise dessa carta. Poderia parecer algo simples, já que diria respeito a apenas um documento, e a um documento bem definido – e não tão longo assim, já que se trata duma carta, duma correspondência.  Não obstante, como há de se tornar claro, não é um documento qualquer.  (...)  

Dissecando esses desenvolvimentos, separando as camadas sucessivas da tradição e da fantasia, descobrem-se coisas interessantíssimas, vislumbra-se uma parte importante da transmissão das memórias e das tradições cristãs – mas também evidencia-se que essa carta, historicamente falando, não existiu, como também não existiu aquele que pretensamente a teria escrito.

(...)


(...)  A “carta de Lêntulo” chegou até nós a partir duma série de versões manuscritas, datáveis dos séculos XV (talvez, com alguma boa vontade, dos finais do séc. XIV) e XVI, que continham inúmeras variações entre si, como, aliás, era de se esperar na era anterior à imprensa.  As variações do texto (“corpo”) do documento são, em geral, pequenas, e podem ser harmonizadas; as variantes dos destinatários (“cabeçalho”) são, contudo, mais graves e importantes, devendo ser tratadas com algum detalhe.  Podem ser resumidas nos pontos a seguir:

Alguns manuscritos afirmavam que a carta havia sido escrita por Públio Lêntulo e enviada ao Senado Romano;

Outros manuscritos afirmavam que a carta havia sido escrita por Públio Lêntulo e enviada a Otaviano César;

Outros manuscritos, ainda, afirmavam que a carta havia sido escrita por Públio Lêntulo e enviada ao Imperador Tibério.

Em todas essas versões, Públio Lêntulo é considerado como um alto funcionário romano presente, por algum motivo, em Jerusalém (os títulos a ele ligados são vários, dos quais o mais comum parece ser praeses Hierosolymitanorum, literalmente “presidente (ou líder) dos habitantes de Jerusalém”, mas que, nalguns manuscritos, aparece até, absurdamente, com o título de “procônsul”, e que escreve uma carta, ou melhor, um relatório, às altas autoridades de Roma a respeito dum certo Jesus Cristo.  Nalguns documentos, é inclusive informado que ele havia sido “antecessor de Pilatos” – o que é um flagrante erro histórico, já que se conhecem, a partir das obras do historiador Flávio José, todos os praefecti ou procuradores romanos da Judéia entre os anos 6 dC e 66 dC, e entre eles não há nenhum Lêntulo."

(...)

A carta de Lêntulo é certamente apócrifa : nunca houve um Governador de Jerusalém ; nenhum Procurador da Judéia, é conhecido por ter sido chamado Lentulus, um romano governador não teria abordado o Senado, mas o imperador, um romano escritor não teria empregado o expressões, "profeta da verdade "," filhos dos homens "," Jesus Cristo ". Os dois primeiros são expressões do hebraico , a terceira é tirada do Novo Testamento . A carta, portanto, mostra-nos uma descrição de Jesus, como a fé cristã o 
concebeu.

Além disso, há uma série de incongruências no Romance HÁ 2000 ANOS narrado por Emmanuel. Acompanhemos com atenção, pois tais incongruências são históricas:

Problemas Relacionados aos Personagens

Personagem
Crítica
Públio Lêntulo – Segundo “Emanuel”, Públio Lêntulo, o senador contemporâneo de Cristo, era bisneto de Lêntulo Sura.

Há toda a probabilidade de que Lêntulo Sura não tenha tido herdeiros masculinos que a ele sobrevivessem. Por ocasião da morte de Sura, foi Marco Antônio que reclamou o seu corpo e providenciou o seu enterro. Essa tarefa caberia aos filhos; se o enteado, com menos de 20 anos na ocasião (Antônio nasceu em 82 ou 81 aC, e a execução de Sura deu-se nos finais de 63 aC), a tomou para si, a conclusão lógica é a de que Sura não tinha filhos vivos que pudessem assumir essa sagrada responsabilidade.  Portanto, ou ele não se casou (sendo Júlia sua primeira esposa), ou, se se casou antes, não teve filhos, ou, se os teve, eles não sobreviveram à idade adulta. Portanto, torna-se bastante difícil sustentar que Públio Lêntulo, o senador romano da época de Cristo (se é que de fato existiu), pudesse vir a ser bisneto de Lêntulo Sura, o conspirador catilinário.
Flávia Lentúlia, filha de Públio Lentulo.
O nome da filha de Lentulus, Flávia Lentúlia, é uma verdadeira aberração. A menina era filha de um Cornélio Lêntulo e de uma Lívia; se o pai seguisse o uso patrício tradicional, ela chamar-se-ia Cornélia, e nada mais. Admitindo-se, contudo, que os pais fossem menos “tradicionalistas”, e mais abertos a algumas novidades já presentes na onomástica romana na primeira época imperial, algumas possibilidades poderiam ser consideradas para a denominação dessa menina; em ordem decrescente de probabilidade, seriam elas:
a)         Cornélia, a denominação mais provável, utilizando apenas o gentílico paterno, ainda atestada entre os Cornélios da época imperial, inclusive entre os próprios Cornélios Lêntulos;
b)         Cornélia Livila, na qual ao gentílico paterno acrescentar-se-ia uma forma diminutiva “cognominizada” do gentílico materno, indicando que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;
c)         Cornélia Lívia, uma polinomia, na qual, ao gentílico paterno acrescentar-se-ia o gentílico materno, também para se indicar que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;
d)         Lívia Lentulina (ou Lentulila),na qual, ao gentílico materno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”; dar-se-ia ênfase ao fato de a menina ter em suas veias sangue dos Lívios, sem desdenhar o fato de que também tinha sangue dos Cornélios Lêntulos;
e)         Cornélia Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”;
f)          Cornélia Lívia Lentulina (ou Lentulila), mesmo caso anterior, mas com o uso de dois gentílicos, o paterno e o materno (polinomia); enfim,
g)         Cornélia Livila Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-iam como cognomes uma forma “cognominizada” do gentílico materno e uma forma conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome paterno.
Todas essas opções são, ao menos, plausíveis (sendo que a mais provável é a tradicional “Cornélia”, sem mais nada); no entanto, o nome escolhido foi a aberração “Flávia Lentúlia”, em termos onomásticos romanos uma autêntica monstruosidade: por que utilizar como nome gentílico da criança a forma gentílica feminina “Flávia”, se ela era uma Cornélia, e não uma Flávia, e se, além do mais, sua mãe era uma Lívia, e não uma Flávia? E (horror dos horrores!), por que acrescentar a esse gentílico extemporâneo uma forma adjetivada do cognome paterno (“Lentúlia”), de forma a torná-lo como que um gentílico, algo jamais atestado no meio e na época?
Sálvio Lêntulo, tio de Públio Lentulo.
Outro nome impossível para um Cornélio Lêntulo. “Sálvio” não é um prenome, mas sim um nome gentílico.  Um “Sálvio Lêntulo” jamais seria parente de um “Cornélio Lêntulo”: o primeiro pertenceria à gens Sálvia, o segundo à gens Cornélia; teriam apenas, por acaso, um mesmo cognome, o que não indicava necessariamente parentesco algum (o parentesco legal era indicado pelo nome gentílico).  O autor, assim, tomou erradamente “Sálvio” como um “primeiro nome”. Repetindo, tal personagem não poderia se tratar de um parente de Públio Lêntulo.

Problemas Relacionados à História do Livro
Trecho do livro “Há Dois Mil Anos”
Crítica
“… senador Públio Lentulus Cornelius (sic), homem ainda moço que, à maneira da época, exercia no Senado funções legislativas e judiciais, de acordo com os direitos que lhe competiam, como descendente de antiga família de senadores e cônsules da República” (págs. 17-18).
Se tinha assento no Senado, então já teria exercido a questura, e estaria prestes, pela idade, a assumir a pretura.  Assim, já teria prestado serviço militar, antes da questura, obviamente como tribuno laticlavo. Onde isso é mencionado no texto? Aliás, que “funções legislativas e judiciais” exercia? De fato, se já havia exercido a questura, e estava para exercer a pretura, não exercia, na ocasião, nenhuma função especial. Teria, sem dúvida, iniciado sua carreira exercendo um dos cargos do vigintivirato (qual? Mais uma vez, “Emanuel” se cala…); depois, teria obtido um sacerdócio (onde isso é mencionado no texto?); depois, teria prestado o serviço militar; enfim, teria assumido a questura.  Como questor, teria exercido funções de índole financeira, e não propriamente “legislativas e judiciais”.  E somente após exercer a pretura (como se viu) é que ele teria aberto o leque duma série de cargos importantes.  Pela idade, ele estaria para exercer a pretura – e, mesmo assim, prefere ir à Palestina, e lá passar uma série de anos.  Uma atitude no mínimo estranha, pois fatalmente atrasaria o seu “cursus”.  E, mais uma vez, por que a Palestina?
Depois dum período aparentemente passado em Roma, nas lides do Senado, “Públio Lêntulo” seguiu para Jerusalémcomo “legado do Imperador, para a solução de vários problemas administrativos de que fora incumbido junto ao governo da Palestina” (pág. 39).  A situação é posta da seguinte maneira por seu amigo Flamínio Severo (outra personagem sobre a qual não há nenhum testemunho histórico): “…existem ali [na Judéia] regiões de clima adorável, que operariam, talvez, a cura de tua filhinha, restabelecendo simultaneamente as tuas forças orgânicas.  Quem sabe? Esquecerias o tumulto da cidade, regressando mais tarde ao nosso meio, com energias novas.  O atual Procurador da Judéia é nosso amigo.  Poderíamos harmonizar vários problemas do nosso interesse e de nossas funções, porquanto não me seria difícil obter do Imperador dispensa dos teus trabalhos no Senado, de modo a que continuasses recebendo os subsídios do Estado, enquanto permanecesses na Judéia” (pág. 30).
A província da Judéia estava sob a supervisão da província da Síria; se houvesse necessidade duma missão “para a solução de vários problemas administrativos”, das duas uma: a) ou o legado propretoriano da Síria despacharia alguém de seu “staff”, obviamente um cavaleiro, para tratar do assunto junto ao prefeito/procurador da Judéia; ou b) se o caso fosse grave, o legado da Síria simplesmente convocaria o prefeito/procurador da Judéia a Antióquia para se explicar, e, se não ficasse satisfeito, suspendê-lo-ia de suas funções e mandá-lo-ia a Roma, para se explicar junto ao Imperador. O Imperador jamais mandaria um legado de nível senatorial à Judéia, mesmo porque criaria uma série de problemas: “Públio Lêntulo” (convém lembrar) era um senador, e Pôncio Pilatos (também convém lembrar) era um cavaleiro – inferior, social e hierarquicamente, a Lêntulo. Se estivesse lá, Lêntulo daria ordens a Pilatos, e ponto final.  Jamais tratá-lo-ia como um igual.  E não é esse o comportamento de “Públio Lêntulo” na Judéia, segundo a psicografia – ele e Pilatos tratam-se como iguais.  Na “vida real”, se tal “missão” tivesse de fato existido, Lêntulo não precisaria ter escrúpulos, e nem levar em conta o que quer que Pilatos pensasse.  Com um mandato imperial, faria o que quisesse, e a autoridade de Pilatos reduzir-se-ia a nada a partir do instante em que o senador pusesse o pé na província; justamente por isso é que esse tipo de missão era impossível de ocorrer – existe apenas nas mentes dos que não conhecem a estrutura administrativa do Império na época.
“Públio Lentulus, não obstante a beleza da paisagem na travessia do Mediterrâneo e a novidade dos aspectos exteriores, considerada a monotonia dos seus afazeres na vida romana, junto dos numerosos processos do Estado, tinha o coração cheio de sombras. Debalde a esposa procurara aproximar-se do seu espírito irritado, buscando tanger assuntos delicados de família, com o fim de conhecer e suavizar-lhe os íntimos dissabores. Experimentava ele a impressão de que caminhava para emoções decisivas do desenrolar de sua existência. Conhecera parte da Ásia, porque, na primeira mocidade, havia servido um ano na administração de Esmirna, de modo a integrar-se, da melhor maneira, no mecanismo dos trabalhos do Estado, mas não conhecia Jerusalém, onde o esperavam como legado do Imperador, para a solução de vários problemas administrativos de que fôra incumbido junto ao governo da Palestina.” (pág. 39)
O texto alude a um período de um ano no qual, na mocidade, teria atuado na administração da cidade de Esmirma (antes da questura? Logo depois dela?).  Ora, isso não tem sentido. Esmirna era uma das cidades da província da Ásia (província senatorial de nível consular), mas os romanos não mandavam administradores para as cidades. Esmirna, como aliás todos os centros urbanos do Império, com exceção da própria Roma e de Alexandria, tinham um governo municipal independente(melhor dizendo, “autônomo”), com suas assembléias e magistrados locais, e inclusive com o seu magistrado epônimo, que ostentava o pomposo título de “portador da coroa”, ou “coroado” (stephanêphoros); era também a sede de um dos conventus iuridici da província da Ásia, ou seja, dos lugares onde o procônsul, em seu giro anual, realizava audiências.  Não havia lá funcionários romanos atuando, durante um ano inteiro, na sua administração.  O que é informado a esse respeito por “Emanuel” não faz nenhum sentido; simplesmente, não era assim que as coisas funcionavam.
“O pretor Sálvio Lentulus, que há muitos anos foi destituído do governo das províncias, e agora tem simples atribuições de funcionário junto do atual Procurador da Judéia, não é bem um homem idêntico a teu marido, que, se tem certos defeitos de família, é um espírito muito franco e sincero. Eras muito jovem quando se verificaram acontecimentos deploráveis em nosso ambiente social, com referência às criaturas com quem agora vais conviver. A esposa de Sálvio, que ainda deve ser uma mulher moça e bem cuidada, é irmã de Cláudia, mulher de Pilatos, a quem teu marido vai recomendado, em caminho da alta administração da província.” (págs. 35-36) 
Sálvio Lentulus e a esposa, Fúlvia Prócula, receberam os parentes com aparato e prodigalidade.” (pág. 42)
Informa-se na psicografia que Sálvio Lêntulo, o tal tio de “Públio Lêntulo”, era um pretor há muito destituído do governo das províncias, ocupando, na ocasião, simples atribuições de funcionário junto ao procurador da Judéia, Pôncio Pilatos, sendo casado com Fúlvia Prócula, irmã da esposa de Pilatos.  Há, nesses dados, um amontoado de absurdos.  Mesmo que tivesse sido destituído dum governo provincial (como se viu, como pretor poderia ter exercido vários tipos de governos provinciais, p.ex., o proconsulado de províncias senatoriais de nível pretoriano), jamais um senador (e Sálvio Lêntulo, por força, seria um senador) exerceria “simples atribuições de funcionário” tendo como superior hierárquico um cavaleiro, numa província de 2a classe.  Isso significaria que um cavaleiro daria ordens a um senador – algo impensável e impossível na época.  Sálvio Lêntulo teria permanecido em Roma, à espera da oportunidade de retomar sua carreira, ou então (se a situação fosse grave) no exílio, tentando voltar a Roma.  E, se conseguisse recuperar-se, ainda que parcialmente, não iria jamais servir sob as ordens de alguém que lhe era hierarquicamente inferior; e, mesmo que quisesse isso (teria que estar extremamente desesperado, ou louco), nem o Imperador e nem o Senado o permitiriam – seria degradar sua condição de senador. 
Também é muitíssimo pouco provável que ele se casasse com alguém de nível eqüestre (como era o caso da irmã da esposa de Pilatos); isso também seria degradar sua condição de senador.  Estranho mundo, esse de “Emanuel”…

Esperavam-no, além do legado do Procurador, alguns lictores e numerosos soldados pretorianos, comandados por Sulpício Tarquinius, munido de todos os aprestos e elementos exigidos para uma viagem tranqüila e confortável, pelas estradas de Jerusalém. (pág. 40)
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“Aproximava-se a Páscoa no ano 33. Numerosos amigos de Públio haviam aconselhado a sua volta temporária a Jerusalém, a fim de intensificar os serviços da procura do filhinho, no curso das festividades que concentravam, na época, as maiores multidões da Palestina, estabelecendo possibilidades mais amplas ao reencontro do desaparecido. Peregrinos incontáveis, de todas as regiões da província, dirigiam-se para Jerusalém, a participar dos grandes festejos, oferecendo, simultaneamente, os tributos de sua fé, no suntuoso templo. A nobreza indígena também se fazia notar ali, em tais circunstâncias, através de seus elementos mais representativos. Todos os partidos políticos se arregimentavam para os serviços extraordinários das solenidades que reuniam as maiores massas do judaísmo, encaminhando-se para lá os homens mais importantes do tempo. As autoridades romanas, por sua vez, concentravam-se, igualmente, em Jerusalém, na mesma ocasião, reunindo-se na cidade quase todos os centuriões e legionários, destacados a serviço do Império, nas paragens mais remotas da província.”
Menciona-se a existência de “litores” e de “soldados pretorianos”, sob o serviço de Pilatos, na Judéia (pág. 40), bem como de centuriões e legionários, vindos de toda a província, presentes em Jerusalém por ocasião da Páscoa (pág. 133).  Ou seja, a psicografia supõe que as forças romanas na Judéia se constituíam de legionários.  Contudo, jamais estacionaram legiões na Judéia antes da revolta de 66 dC; a guarnição da província constituía-se de corpos auxiliares, tanto de infantaria (cohortes) quanto de cavalaria (alae).  A atmosfera está bem mais para “Ben-Hur” do que para a História real…



sábado, 6 de outubro de 2012

O Maior Brasileiro De Todos Os Tempos





Decidi escrever esse tópico como se fosse uma carta ao Chico refletindo no que significou a "vitória" dele no programa "O Maior Brasileiro de Todos os Tempos":
'Parabéns, Chico.
“Ao vencedor, as batatas”.
Mas, me pergunto se você, Chico quereria ou necessitaria de tanta fanzoquice em torno de sua pessoa, que nunca quis chamar a atenção para si.
Será que você, que preferiu desencarnar num dia em que o povo estivesse muito alegre, exatamente para não chorarem sua morte e assim não chamar as atenções para si mesmo, quereria agora chamar a atenção para si ganhando um certame que não significa absolutamente nada? Creio que não.

Então, para quem ou o que serviu o “Maior Brasileiro de Todos os Tempos”? Para o Chico, pessoa não serviu, e muito menos para o Chico espírito; também não serviu para ser reconhecido, pois quem já o reconhecia continuou a reconhecer assim como quem não o reconhecia prosseguiu sem reconhecer.
Atrevo-me a arriscar duas respostas concomitantes:
serviu para a emissora que promoveu o certame, pois aumentou o IBOPE e para inflar os egos já inflados dos que torceram desmedidamente por você, Chico, esquecidos de que você mesmo, talvez, preferisse a humildade anônima de quem faz


Por isso, “Ao vencedor, as batatas”. Mas, me desculpe dizer, não foi você quem venceu e sim aqueles que torceram por você,esquecidos de que “vencer” não é ganhar uma disputa contra os outros se valendo das qualidades de um atleta, mas é sim, ganhar um disputa diária contra si mesmo, se valendo de sua própria reforma intima.
Só para explicar a historia das batatas, o filósofo Quincas Borba, de Machado de Assis, evoca uma história sobre duas tribos famintas diante de um campo de batatas, suficientes apenas para alimentar um dos grupos. Com as energias repostas, os vencedores podem transpor as montanhas e chegar a um campo onde há uma grande quantidade de batatas.
Então, Quincas Borba finaliza: "Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas".'
É claro que a carta não é dirigida ao Chico Xavier, mas sim a todos que vibraram com a vitória dele (?) como se a mesma representasse mudança em relaçao à doutrina, fazendo-a mais reconhecida pelos não espíritas (doutrina que não é nem mesmo conhecida por muitos espiritas) ou principalmente, que essa vitória, pela qual fizeram um carnaval, significasse que uma mudança mágica ocorresse de repente nos corações dos torcedores por Chico, mas eles continuaram os mesmos: alguns, orgulhosos; outros egoistas e ainda outros ambos.


Há também o fato de para validar o certame, deveria haver um auditor para conferir as votações, via site e via SMS, do mesmo modo que as 5 edições de A Fazenda tem, quando o Brito Jr. anuncia o eliminado da semana ,que as votações sao auditadas pela BDO e tambem no porgrama RIO de PREMIOS, no qual os apresentadores ao sortearem os talões sempre os mostram ao auditor da LOTERJ.
  
Só o MAIOR BRASILEIRO DE TODOS OS TEMPOS não teve auditor, em nenhuma das eliminatórias ou nas 3 semifinais e menos ainda na final. Na ficha de Carlos Nascimento so constava os nomes dos vencedores, como vocês podem notar pela foto acima, sem sequer o percentual de votos. Como ele sabia então que Chico "venceu" com cerca de 71%? Intuição do além? A transparência do programa, a meu ver, fica assim, extremamente prejudicada.

E eu me sinto muito tranquilo para dizer isso pois não houve auditoria para nenhum, repito, 12 candidatos, mas sei que muitos "espiríticos" não concordarão comigo, afinal Chico "venceu" e isso - para eles - é só o que importa, mesmo que isso não signifique nada para a DOUTRINA.