Públio Cornelius Lentulus Sura tem existência
histórica conhecida, mas seu suposto neto, ou bisneto, que teria convivido com
Cristo e fora uma das encarnações de Emmanuel, deste não há qualquer indício
que tenha existido. Publio Lentulo só é referido a partir do século XV. Antes
disso, silêncio total. Pesquisas históricas dão conta de que Lentulos Sura não
tenha deixado descendente masculino, portanto, não poderia ter tido um bisneto.
E, ainda, que esse bisneto pudesse ser, de algum modo, imaginado, outros óbices
se interpõem à admissão de um Lentulo em missão na Judéia, na época de Cristo.
Quem foi Publio Lentulus?
Quem foi Publio Lentulus?
Político romano, nascido no período terminal da república, Publius Cornelius Lentulus Sura teve uma vida particula polêmica, a ponto de ser expulso do senado por causa disto. Foi questor (81 a.C.) e pretor (75 e 63 a.C.). Tomou parte numa tentativa de golpe perpetrada por Catilina. Descoberta e reprimida a conspiração, ele foi preso estrangulado (63 a.C.).
Mas existiu também outro Lentulus. Publius Cornelius Lentulus Spinther foi edil (63), pretor (60) e cônsul (57). Foi partidário de Cícero e pôs-se ao lado de Pompeu na luta contra César. Foi preso e executado logo após a batalha de Farsália, que praticamente selou o destino de Pompeu e seus seguidores.
Espere aí! Não está faltando nada? E quanto ao procurador da Judéia, contemporâneo de Cristo e que deu uma descrição detalhada dele:
“Sabendo que desejais conhecer quanto vou narrar; existindo nos nossos tempos um homem, o qual vive atualmente de grandes virtudes, chamado Jesus Cristo, que pelo povo é inculcado profeta da verdade, e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, criador do Céu e da Terra e de todas as coisas que nela se acham e que nela tenham estado; em verdade ó César, cada dia se ouvem coisas maravilhosas desse Jesus; ressuscita os mortos, cura os enfermos, em uma só palavra: é um homem de justa estatura e é muito belo no aspecto. Há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são forçados a amá-lo ou temê-lo. Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura, são distendidos até as orelhas, e das orelhas até as espáduas, são da cor da terra, porém muito reluzentes. Tem no meio da sua fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso nos Nazarenos; o seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, nenhuma ruga ou mancha se vê em sua face de uma cor moderada; o nariz e a boca são irrepreensíveis. A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não muito longa, mas separada pelo meio; seu olhar é muito especioso e grave; tem os olhos graciosos e claros; o que surpreende é que resplandecem no seu rosto como os raios do sol, porém ninguém pode olhar fixo o seu semblante, porque quando resplandece, apavora, e quando ameniza faz chorar; faz-se amar e é alegre com gravidade. Diz-se que nunca ninguém o viu rir, mas antes chorar. Tem os braços e as mãos muito belas; na palestra contenta muito, mas o faz raramente e, quando dele alguém se aproxima, verifica que é muito modesto na presença e na pessoa. É o mais belo homem que se possa imaginar, muito semelhante a sua Mãe, a qual é de uma rara beleza, não se tendo jamais visto, por estas partes, uma donzela tão bela...
De letras, faz-se admirar de toda a cidade de Jerusalém; ele sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e admiram. Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os hebreus, não se ouviram, jamais, tais conselhos, de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como Divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei de tua Majestade.
Diz-se que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele têm praticado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde, porém à tua obediência estou prontíssimo - aquilo que Tua Majestade ordenar será cumprido.
Vale, da Majestade Tua, fidelíssimo e
obrigadíssimo. “
Públio Lêntulus
(Há variantes do texto acima, a partir de um manuscrito do século XV)
Então que foi a antiga encarnação de Emmanuel, apresentada em livro homônimo de Chico Xavier?
“Levando as suas dissertações ao passado longínquo, afirma ter vivido ao tempo de Jesus, quando se chamou Públio Lentulus. E de fato, Emmanuel, em todas as circunstâncias, tem dado a quantos o procuram o testemunho de grande experiência e de grande cultura.”
Simplesmente, até onde se sabe, não foi ninguém. Não se conhece nenhum governador de Jerusalém ou procurador da Judéia cujo nome tenha sido Públio Lentulus. Um escritor latino, dirigindo-se ao imperador, dificilmente empregaria os termos “profeta da verdade”, “filho de Deus” e “Jesus Cristo”. Os dois primeiros são hebraísmos e o último só aparace no novo testamento. A carta é considerada apócrifa e deve ter sido a descrição feita por algum cristão do que ele imaginava da aparência de seu profeta.
Alguém mentiu neste incidente? Bem, até que se ache alguma comprovação histórica da figura de Públio Lentulus ou se eliminem as sombras que surgiram, o relato de Emmanuel é , no mínimo, um tanto suspeito. Nem mesmo os católicos atuais aceitam esta carta e seu suposto autor Publius Lentulus.
Quanto mais alguém se dedica a estudar, em termos de evidenciação
histórica, a identificação de “Emmanuel”, mais percebe que, ao fim e ao cabo,
tudo tende a girar em torno dum ponto específico, ou melhor, dum documento
específico, a assim denominada “Carta de Lêntulo”.
De fato, “Emanuel” afirma ter tido várias “encarnações” no mundo dos
vivos; três delas são as mais famosas, referindo-se a personagens históricas
importantes: ele teria sido Lêntulo Sura, o conspirador catilinário; depois,
Públio Lêntulo, bisneto por linha paterna desse Lêntulo Sura, e senador
contemporâneo de Cristo; enfim, muitos séculos depois, o padre jesuíta Manuel
da Nóbrega (daí, talvez, tenha tirado o nome pelo qual escolheu ser conhecido,
“Emanuel”). Contudo, dessas três, de longe a mais importante foi a de
Públio Lêntulo, o contemporâneo de Cristo, que com Ele conviveu, que sobre Ele
escreveu a seus superiores em Roma, e mais, que d’Ele, inclusive, teria obtido
uma graça particular, a cura de sua filha Flávia Lentúlia, acometida de lepra
(os detalhes encontram-se na psicografia “Há Dois Mil Anos”).
E, ao se analisar melhor essa personagem, Públio Lêntulo, nota-se que tudo o que se sabe dela por outros meios além das psicografias “emanuelinas” de Xavier resume-se nesse documento, a epistula Lentuli, a “carta de Lêntulo”.
E, ao se analisar melhor essa personagem, Públio Lêntulo, nota-se que tudo o que se sabe dela por outros meios além das psicografias “emanuelinas” de Xavier resume-se nesse documento, a epistula Lentuli, a “carta de Lêntulo”.
Portanto, todo o presente trabalho refere-se à análise dessa carta. Poderia parecer algo simples, já que diria respeito a apenas um documento, e a um documento bem definido – e não tão longo assim, já que se trata duma carta, duma correspondência. Não obstante, como há de se tornar claro, não é um documento qualquer. (...)
Dissecando esses desenvolvimentos, separando as camadas sucessivas da tradição e da fantasia, descobrem-se coisas interessantíssimas, vislumbra-se uma parte importante da transmissão das memórias e das tradições cristãs – mas também evidencia-se que essa carta, historicamente falando, não existiu, como também não existiu aquele que pretensamente a teria escrito.
(...)
(...) A “carta de Lêntulo” chegou até nós a partir duma série de versões manuscritas, datáveis dos séculos XV (talvez, com alguma boa vontade, dos finais do séc. XIV) e XVI, que continham inúmeras variações entre si, como, aliás, era de se esperar na era anterior à imprensa. As variações do texto (“corpo”) do documento são, em geral, pequenas, e podem ser harmonizadas; as variantes dos destinatários (“cabeçalho”) são, contudo, mais graves e importantes, devendo ser tratadas com algum detalhe. Podem ser resumidas nos pontos a seguir:
Alguns manuscritos afirmavam que a carta havia sido escrita por Públio Lêntulo e enviada ao Senado Romano;
Outros manuscritos afirmavam que a carta havia sido escrita por Públio Lêntulo e enviada a Otaviano César;
Outros manuscritos, ainda, afirmavam que a carta havia sido escrita por Públio Lêntulo e enviada ao Imperador Tibério.
Em todas essas versões, Públio Lêntulo é considerado como um alto funcionário romano presente, por algum motivo, em Jerusalém (os títulos a ele ligados são vários, dos quais o mais comum parece ser praeses Hierosolymitanorum, literalmente “presidente (ou líder) dos habitantes de Jerusalém”, mas que, nalguns manuscritos, aparece até, absurdamente, com o título de “procônsul”, e que escreve uma carta, ou melhor, um relatório, às altas autoridades de Roma a respeito dum certo Jesus Cristo. Nalguns documentos, é inclusive informado que ele havia sido “antecessor de Pilatos” – o que é um flagrante erro histórico, já que se conhecem, a partir das obras do historiador Flávio José, todos os praefecti ou procuradores romanos da Judéia entre os anos 6 dC e 66 dC, e entre eles não há nenhum Lêntulo."
(...)
A carta de Lêntulo é certamente apócrifa : nunca houve um Governador de Jerusalém ; nenhum Procurador da Judéia, é conhecido por ter sido chamado Lentulus, um romano governador não teria abordado o Senado, mas o imperador, um romano escritor não teria empregado o expressões, "profeta da verdade "," filhos dos homens "," Jesus Cristo ". Os dois primeiros são expressões do hebraico , a terceira é tirada do Novo Testamento . A carta, portanto, mostra-nos uma descrição de Jesus, como a fé cristã o
concebeu.
Além disso,
há uma série de incongruências no Romance HÁ 2000 ANOS narrado por
Emmanuel. Acompanhemos com atenção, pois tais incongruências são históricas:
Problemas
Relacionados aos Personagens
Personagem
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Crítica
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Públio Lêntulo – Segundo “Emanuel”, Públio Lêntulo, o senador
contemporâneo de Cristo, era bisneto de Lêntulo Sura.
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Há toda a probabilidade de que Lêntulo Sura não tenha tido herdeiros
masculinos que a ele sobrevivessem. Por ocasião da morte de Sura, foi Marco
Antônio que reclamou o seu corpo e providenciou o seu enterro. Essa tarefa
caberia aos filhos; se o enteado, com menos de 20 anos na ocasião (Antônio
nasceu em 82 ou 81 aC, e a execução de Sura deu-se nos finais de 63
aC), a tomou para si, a conclusão lógica é a de que Sura não tinha filhos
vivos que pudessem assumir essa sagrada responsabilidade. Portanto,
ou ele não se casou (sendo Júlia sua primeira esposa), ou, se se casou antes,
não teve filhos, ou, se os teve, eles não sobreviveram à idade
adulta. Portanto, torna-se bastante difícil sustentar que Públio
Lêntulo, o senador romano da época de Cristo (se é que de fato existiu),
pudesse vir a ser bisneto de Lêntulo Sura, o conspirador catilinário.
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Flávia Lentúlia,
filha de Públio Lentulo.
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O nome da filha de Lentulus, Flávia Lentúlia, é uma verdadeira
aberração. A menina era filha de um Cornélio Lêntulo e de uma Lívia; se o pai
seguisse o uso patrício tradicional, ela chamar-se-ia Cornélia, e nada mais.
Admitindo-se, contudo, que os pais fossem menos “tradicionalistas”, e mais
abertos a algumas novidades já presentes na onomástica romana na primeira
época imperial, algumas possibilidades poderiam ser consideradas para a
denominação dessa menina; em ordem decrescente de probabilidade, seriam elas:
a) Cornélia,
a denominação mais provável, utilizando apenas o gentílico paterno, ainda
atestada entre os Cornélios da época imperial, inclusive entre os próprios
Cornélios Lêntulos;
b) Cornélia
Livila, na qual ao gentílico paterno acrescentar-se-ia uma forma
diminutiva “cognominizada” do gentílico materno, indicando que a moça em
questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;
c) Cornélia
Lívia, uma polinomia, na qual, ao gentílico paterno acrescentar-se-ia o
gentílico materno, também para se indicar que a moça em questão era filha de
um Cornélio e de uma Lívia;
d) Lívia
Lentulina (ou Lentulila),na qual, ao gentílico materno,
acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do
cognome “Lêntulo”; dar-se-ia ênfase ao fato de a menina ter em suas veias
sangue dos Lívios, sem desdenhar o fato de que também tinha sangue dos
Cornélios Lêntulos;
e) Cornélia
Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno,
acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do
cognome “Lêntulo”;
f) Cornélia
Lívia Lentulina (ou Lentulila), mesmo caso anterior, mas com o uso de
dois gentílicos, o paterno e o materno (polinomia); enfim,
g) Cornélia
Livila Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno,
acrescentar-se-iam como cognomes uma forma “cognominizada” do gentílico
materno e uma forma conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome paterno.
Todas essas opções são, ao menos, plausíveis (sendo que a mais provável
é a tradicional “Cornélia”, sem mais nada); no entanto, o nome escolhido foi
a aberração “Flávia Lentúlia”, em termos onomásticos romanos uma autêntica
monstruosidade: por que utilizar como nome gentílico da criança a forma
gentílica feminina “Flávia”, se ela era uma Cornélia, e não uma Flávia, e se,
além do mais, sua mãe era uma Lívia, e não uma Flávia? E (horror dos
horrores!), por que acrescentar a esse gentílico extemporâneo uma forma
adjetivada do cognome paterno (“Lentúlia”), de forma a torná-lo como que um
gentílico, algo jamais atestado no meio e na época?
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Sálvio Lêntulo, tio de Públio Lentulo.
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Outro nome impossível para um Cornélio Lêntulo. “Sálvio” não é um
prenome, mas sim um nome gentílico. Um “Sálvio Lêntulo” jamais
seria parente de um “Cornélio Lêntulo”: o primeiro pertenceria à gens Sálvia,
o segundo à gens Cornélia; teriam apenas, por acaso, um mesmo cognome, o que
não indicava necessariamente parentesco algum (o parentesco legal era
indicado pelo nome gentílico). O autor, assim, tomou erradamente
“Sálvio” como um “primeiro nome”. Repetindo, tal personagem não poderia
se tratar de um parente de Públio Lêntulo.
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Problemas
Relacionados à História do Livro
Trecho do livro
“Há Dois Mil Anos”
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Crítica
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“… senador Públio Lentulus Cornelius (sic), homem ainda moço que, à
maneira da época, exercia no Senado funções legislativas
e judiciais, de acordo com os direitos que lhe competiam, como descendente de
antiga família de senadores e cônsules da República” (págs. 17-18).
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Se tinha assento no Senado, então já teria exercido a questura, e
estaria prestes, pela idade, a assumir a pretura. Assim, já teria
prestado serviço militar, antes da questura, obviamente como tribuno
laticlavo. Onde isso é mencionado no texto? Aliás, que “funções
legislativas e judiciais” exercia? De fato, se já havia exercido a questura,
e estava para exercer a pretura, não exercia, na ocasião, nenhuma
função especial. Teria, sem dúvida, iniciado sua carreira exercendo
um dos cargos do vigintivirato (qual? Mais uma vez, “Emanuel” se cala…);
depois, teria obtido um sacerdócio (onde isso é mencionado no texto?);
depois, teria prestado o serviço militar; enfim, teria assumido a
questura. Como questor, teria exercido funções
de índole financeira, e não propriamente “legislativas e judiciais”. E
somente após exercer a pretura (como se viu) é que ele teria aberto o leque
duma série de cargos importantes. Pela idade, ele estaria para
exercer a pretura – e, mesmo assim, prefere ir à Palestina, e lá passar uma
série de anos. Uma atitude no mínimo estranha, pois fatalmente
atrasaria o seu “cursus”. E, mais uma vez, por que a Palestina?
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Depois dum período aparentemente passado em Roma, nas lides do Senado,
“Públio Lêntulo” seguiu para Jerusalém, como “legado do
Imperador, para a solução de vários problemas administrativos de que fora
incumbido junto ao governo da Palestina” (pág. 39). A situação
é posta da seguinte maneira por seu amigo Flamínio Severo (outra personagem
sobre a qual não há nenhum testemunho histórico): “…existem ali [na Judéia]
regiões de clima adorável, que operariam, talvez, a cura de tua filhinha,
restabelecendo simultaneamente as tuas forças orgânicas. Quem
sabe? Esquecerias o tumulto da cidade, regressando mais tarde ao nosso meio,
com energias novas. O atual Procurador da Judéia é
nosso amigo. Poderíamos harmonizar vários problemas do nosso interesse e de nossas
funções, porquanto não me seria difícil obter do Imperador dispensa dos teus
trabalhos no Senado, de modo a que continuasses recebendo os subsídios do
Estado, enquanto permanecesses na Judéia” (pág. 30).
|
A província da Judéia estava sob a supervisão da província da Síria;
se houvesse necessidade duma missão “para a solução de vários problemas
administrativos”, das duas uma: a) ou o legado propretoriano da Síria
despacharia alguém de seu “staff”, obviamente um cavaleiro, para tratar do
assunto junto ao prefeito/procurador da Judéia; ou b) se o caso fosse grave,
o legado da Síria simplesmente convocaria o prefeito/procurador da Judéia a
Antióquia para se explicar, e, se não ficasse satisfeito, suspendê-lo-ia de
suas funções e mandá-lo-ia a Roma, para se explicar junto ao Imperador. O Imperador
jamais mandaria um legado de nível senatorial à Judéia, mesmo porque
criaria uma série de problemas: “Públio Lêntulo” (convém lembrar) era um
senador, e Pôncio Pilatos (também convém lembrar) era um cavaleiro –
inferior, social e hierarquicamente, a Lêntulo. Se estivesse lá, Lêntulo
daria ordens a Pilatos, e ponto final. Jamais tratá-lo-ia como um
igual. E não é esse o comportamento de “Públio Lêntulo” na Judéia,
segundo a psicografia – ele e Pilatos tratam-se como iguais. Na “vida real”,
se tal “missão” tivesse de fato existido, Lêntulo não precisaria ter
escrúpulos, e nem levar em conta o que quer que Pilatos pensasse. Com
um mandato imperial, faria o que quisesse, e a autoridade de Pilatos
reduzir-se-ia a nada a partir do instante em que o senador pusesse o pé na
província; justamente por isso é que esse tipo de missão era
impossível de ocorrer – existe apenas nas mentes dos que não conhecem a
estrutura administrativa do Império na época.
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“Públio Lentulus, não obstante a beleza da paisagem na travessia do
Mediterrâneo e a novidade dos aspectos exteriores, considerada a monotonia
dos seus afazeres na vida romana, junto dos numerosos processos do Estado,
tinha o coração cheio de sombras. Debalde a esposa procurara aproximar-se do
seu espírito irritado, buscando tanger assuntos delicados de família, com o
fim de conhecer e suavizar-lhe os íntimos dissabores. Experimentava ele a
impressão de que caminhava para emoções decisivas do desenrolar de sua
existência. Conhecera parte da Ásia, porque, na primeira mocidade, havia servido um ano
na administração de Esmirna, de modo a integrar-se, da melhor maneira, no
mecanismo dos trabalhos do Estado, mas não conhecia Jerusalém, onde
o esperavam como legado do Imperador, para a solução de vários problemas
administrativos de que fôra incumbido junto ao governo da Palestina.” (pág.
39)
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O texto alude a um período de um ano no qual, na mocidade, teria
atuado na administração da cidade de Esmirma (antes da questura? Logo depois
dela?). Ora, isso não tem sentido. Esmirna era uma das
cidades da província da Ásia (província senatorial de nível consular), mas os romanos não
mandavam administradores para as cidades. Esmirna, como aliás todos os centros
urbanos do Império, com exceção da própria Roma e de Alexandria, tinham um governo
municipal independente(melhor dizendo, “autônomo”), com suas
assembléias e magistrados locais, e inclusive com o seu magistrado epônimo,
que ostentava o pomposo título de “portador da coroa”, ou “coroado” (stephanêphoros);
era também a sede de um dos conventus iuridici da província
da Ásia, ou seja, dos lugares onde o procônsul, em seu giro anual, realizava
audiências. Não havia lá funcionários romanos
atuando, durante um ano inteiro, na sua administração. O
que é informado a esse respeito por “Emanuel” não faz nenhum sentido;
simplesmente, não era assim que as coisas funcionavam.
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“O pretor Sálvio Lentulus, que há muitos anos foi destituído do
governo das províncias, e agora tem simples atribuições de
funcionário junto do atual Procurador da Judéia, não é bem um
homem idêntico a teu marido, que, se tem certos defeitos de família, é um
espírito muito franco e sincero. Eras muito jovem quando se verificaram
acontecimentos deploráveis em nosso ambiente social, com referência às
criaturas com quem agora vais conviver. A esposa de
Sálvio, que ainda deve ser uma mulher moça e bem cuidada, é irmã de Cláudia,
mulher de Pilatos, a quem teu marido vai recomendado, em caminho da alta
administração da província.” (págs. 35-36)
“Sálvio Lentulus e a esposa, Fúlvia Prócula, receberam os
parentes com aparato e prodigalidade.” (pág. 42)
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Informa-se na psicografia que Sálvio Lêntulo, o tal tio de “Públio
Lêntulo”, era um pretor há muito destituído do governo das províncias,
ocupando, na ocasião, simples atribuições de funcionário junto ao procurador
da Judéia, Pôncio Pilatos, sendo casado com Fúlvia Prócula, irmã da esposa de
Pilatos. Há, nesses dados, um amontoado de absurdos. Mesmo
que tivesse sido destituído dum governo provincial (como se viu, como pretor
poderia ter exercido vários tipos de governos provinciais, p.ex., o
proconsulado de províncias senatoriais de nível pretoriano), jamais um senador
(e Sálvio Lêntulo, por força, seria um senador) exerceria “simples
atribuições de funcionário” tendo como superior hierárquico um cavaleiro,
numa província de 2a classe. Isso significaria que um cavaleiro
daria ordens a um senador – algo impensável e impossível na época. Sálvio Lêntulo
teria permanecido em Roma, à espera da oportunidade de
retomar sua carreira, ou então (se a situação fosse grave) no exílio,
tentando voltar a Roma. E, se conseguisse recuperar-se, ainda que
parcialmente, não iria jamais servir sob as ordens de alguém que lhe era
hierarquicamente inferior; e, mesmo que quisesse isso (teria que estar
extremamente desesperado, ou louco), nem o Imperador e nem o Senado o
permitiriam – seria degradar sua condição de senador.
Também é muitíssimo pouco provável que ele se casasse com alguém de nível
eqüestre (como era o caso da irmã da esposa de Pilatos); isso também seria
degradar sua condição de senador. Estranho mundo, esse de
“Emanuel”…
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Esperavam-no, além do legado do
Procurador, alguns lictores e numerosos soldados pretorianos, comandados por
Sulpício Tarquinius, munido de todos os aprestos e elementos exigidos para
uma viagem tranqüila e confortável, pelas estradas de Jerusalém. (pág. 40)
-
“Aproximava-se a Páscoa no ano 33. Numerosos amigos de Públio haviam
aconselhado a sua volta temporária a Jerusalém, a fim de intensificar os
serviços da procura do filhinho, no curso das festividades que concentravam,
na época, as maiores multidões da Palestina, estabelecendo possibilidades
mais amplas ao reencontro do desaparecido. Peregrinos incontáveis, de todas
as regiões da província, dirigiam-se para Jerusalém, a participar dos grandes
festejos, oferecendo, simultaneamente, os tributos de sua fé, no suntuoso
templo. A nobreza indígena também se fazia notar ali, em tais circunstâncias,
através de seus elementos mais representativos. Todos os partidos políticos
se arregimentavam para os serviços extraordinários das solenidades que
reuniam as maiores massas do judaísmo, encaminhando-se para lá os homens mais
importantes do tempo. As autoridades romanas, por sua vez, concentravam-se,
igualmente, em Jerusalém, na mesma ocasião, reunindo-se na cidade quase todos os
centuriões e legionários, destacados a serviço do
Império, nas paragens mais remotas da província.”
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Menciona-se a existência de “litores” e de “soldados pretorianos”, sob
o serviço de Pilatos, na Judéia (pág. 40), bem como de centuriões e
legionários, vindos de toda a província, presentes em Jerusalém por ocasião
da Páscoa (pág. 133). Ou seja, a psicografia supõe que as forças
romanas na Judéia se constituíam de legionários. Contudo, jamais
estacionaram legiões na Judéia antes da revolta de 66 dC; a guarnição da
província constituía-se de corpos auxiliares, tanto de infantaria (cohortes)
quanto de cavalaria (alae). A atmosfera está bem
mais para “Ben-Hur” do que para a História real…
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